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sábado, 3 de março de 2012

TEXTO 80 - INTRODUÇÃO À FILOSOFIA.

PESQUISADO E POSTADO, PELA ENFERMEIRA CAROLINA BARRETO.


REFERÊNCIA:


http://www.zubiri.org/outlines_syllabi/introdu%C3%A7ao.htm






Seminário Missionário Arquidiocesano
“Redemptoris Mater”
Brasília
















Esquemas de Filosofia Zubiriana




Introdução à Filosofia




(Apostilas)




Pe. Francisco-Javier Sotil Baylos


2003



I
O QUE É A FILOSOFIA












A. O termo “filosofia”






1. Etimologia do termo “filosofia”


a. O termo “filosofia” é composto de dois termos gregos: “phílos”, que significa amigo de, amante de, afeiçoado a, que gosta de, que tem gosto em, que se compraz em, que busca com afã, que anseia, etc., e “sophía”, que significa sabedoria, saber, ciência, conhecimento, etc.
b. Assim pois, etimologicamente, o termo filosofia significa: amor à sabedoria, gosto pelo saber, etc.




2. Origem do termo “filosofia”


a. O termo “filosofia” nasceu no “círculo socrático”, quer dizer, no círculo de Sócrates e dos discípulos dele, ou talvez antes ainda no “círculo pitagórico”, quer dizer, no círculo de Pitágoras e dos seus discípulos.
b. Eram chamados de “filósofos” os homens que buscavam a “sabedoria suprema”, quer dizer, “a sabedoria última e radical da vida e das coisas”, ou seja, o saber que busca a dimensão última e radical da vida e das coisas.




3. Três acepções do termo “filosofia”


a. Filosofia como forma de vida
= O termo filosofia pode designar, antes de tudo, uma “forma de vida”: é a filosofia entendida como vida filosófica, como viver filosoficamente; assim entendiam a filosofia, por exemplo, os filósofos cínicos e cirenaicos e, em muitos aspectos, os próprios filósofos estóicos.
= Esta acepção do termo filosofia ainda ressoa na nossa linguagem quando dizemos que alguém “conduz a sua vida com muita filosofia”; esta mesma acepção do termo filosofia é recolhida nas acepções 3 e 4 do termo “filósofo” no Dicionário Aurélio:
# Filósofo é “aquele que procede sempre com sabedoria e reflexão, que segue uma filosofia de vida”.
# Filósofo é “aquele que vive tranqüilo e indiferente aos preconceitos e convenções sociais”.
b. Filosofia como doutrina sobre a vida
= O termo filosofia pode designar também uma “doutrina sobre a vida”: é a filosofia entendida, sobretudo, como resposta ao problema do sentido da vida e da existência humana.
= É aquilo que no fim do século XIX e começo do século XX chamou-se de “filosofia da vida” (Lebensphilosophie); o mesmo Dilthey não é alheio a esta idéia da filosofia.
c. Filosofia como saber acerca das coisas
= O termo filosofia poder designar, finalmente, um “saber acerca das coisas”: é a filosofia entendida como conhecimento intelectivo (no sentido mais amplo desses termos) acerca das coisas (abrangendo entre as coisas o homem e a sua vida).
= Esta terceira acepção do termo filosofia é a que nos interessa especialmente, ainda que não unicamente; a ela aponta sobretudo, como temos dito, o termo filosofia na sua origem: a filosofia entendida como saber que busca a dimensão última e radical da vida e das coisas.
= Pois bem, para poder dar uma definição mais estrita do que é a filosofia enquanto saber que busca a dimensão última e radical da vida e das coisas, é necessário, antes de tudo, que digamos em que consiste essa “dimensão última e radical das coisas” (incluindo nelas a vida mesma) que busca esse saber, essa sabedoria, que chamamos de “filosofia”.








B. A nossa definição de filosofia: a filosofia é o saber acerca da dimensão diáfana, transcendental, metafísica, das coisas.






1. As três dimensões das coisas: o óbvio, o ultra-óbvio e o diáfano das coisas, e os três tipos de saber humano acerca das coisas: o saber comum, o saber científico-técnico e o saber filosófico ou filosofia.


a. O óbvio das coisas e o saber comum acerca delas
= Quando o homem se põe a caminho para saber acerca das coisas, há uma dimensão delas que “sai-lhe ao encontro no caminho”; por exemplo, se um homem quer saber acerca desta garrafa, “topa sem mais nem menos” com o seu tamanho, com a sua forma, com a sua cor, com o seu brilho, com a sua temperatura, com o líquido que contém, com o fato de que está meio vazia, de que está suja, etc.
= Pois bem, todos esses caracteres, partes, propriedades, etc., das coisas que saem ao encontro do homem quando se dirige às coisas para saber acerca delas, constituem a dimensão do “óbvio” das coisas; com efeito, sair ao encontro no caminho de alguém diz-se em latim “ob-viare”; diz a Carta aos Hebreus, por exemplo, que, quando Abraão regressava de derrotar uns reis, Melquisedec, rei de Salém, “saiu-lhe ao encontro no caminho” (obviavit ei): cfr. Hb 7,1; Gn 14,17-20.
= O óbvio das coisas não é primariamente a dimensão delas que se sabe facilmente, sem maiores complicações; o óbvio das coisas é primariamente a dimensão delas que nos sai ao encontro no caminho quando nos dirigimos às coisas para saber acerca delas, a dimensão das coisas que nos sai ao encontro no nosso contato imediato com as coisas, a dimensão delas que “salta à vista”, por assim dizer, e, que, por isso, conseqüentemente, sabe-se facilmente, sem maiores complicações.
= O óbvio das coisas é a dimensão delas que é objeto do assim chamado “saber comum ou vulgar”.
b. O ultra-óbvio das coisas e o saber científico-técnico acerca delas
= Há outra dimensão das coisas que não é obvia, quer dizer, que não sai ao encontro do homem quando este se dirige às coisas para saber acerca delas; assim, por exemplo, os elétrons, nêutrons e prótons que compõem a matéria dessa garrafa, a velocidade do movimento das suas moléculas, a pessoa ou a fábrica que a fez, etc.; com efeito, nenhum elétron dessa garrafa, por exemplo, saiu nem sairá jamais ao encontro do homem quando se dirige a essa garrafa para saber acerca dela…; nenhum homem topou nem topará jamais com os elétrons duma garrafa; os elétrons da matéria das coisas jamais saltaram nem saltarão à vista de ninguém, entre outras coisas, porque os elétrons, como todas as partículas elementares, pela própria natureza deles, não são visualizáveis…
= Pois bem, todos esses caracteres, partes, propriedades, etc., das coisas que não saem ao encontro do homem quando o homem se dirige às coisas para saber acerca delas, constituem a dimensão do “ultra-óbvio” das coisas; com efeito, para achar todos esses elementos das coisas e para saber algo acerca deles, o homem tem que ir “além” (“ultra”) da dimensão do óbvio das coisas e buscá-los mais ou menos arduamente mediante a ciência e a técnica.
= O ultra-óbvio das coisas é a dimensão delas que é objeto do assim chamado “saber científico-técnico”.
c. O diáfano, o transcendental, o metafísico das coisas e o saber filosófico acerca delas: a filosofia
= Poder-se-ia pensar (e não são poucos aqueles que assim pensam!) que a realidade das coisas começa e acaba nas dimensões óbvia e ultra-óbvia delas, quer dizer, que o óbvio e o ultra-óbvio das coisas esgotam por completo a realidade delas, e que, por conseguinte, não cabe mais saber humano acerca das coisas que os saberes chamados de comum e de científico-técnico; quem assim pensa, considera que o saber humano acerca desta garrafa, por exemplo, se reduz a tudo aquilo que possam nos dizer o saber comum e o saber científico-técnico acerca dela; é isso assim?
= Pois bem, há um saber (eis a filosofia, eis o saber filosófico!) que afirma energicamente que isso não é assim para nada!; a filosofia defende teimosamente que é radicalmente falso que a realidade das coisas consista só nas dimensões do óbvio e do ultra-óbvio delas, porque está convencida de que há uma outra dimensão das coisas, aliás, a dimensão última e radical delas, que nem pertence à dimensão do óbvio das coisas, porque não sai ao encontro do homem quando o homem se dirige às coisas para saber acerca delas, nem pertence à dimensão do ultra-óbvio das coisas, porque o homem jamais poderá achá-la e saber algo acerca dela, por muito que vá além da dimensão do óbvio das coisas, e por mais que a busque arduamente mediante a ciência e a técnica.
= E por quê?; responde a filosofia: porque essa outra dimensão das coisas, a última e radical delas, é a mais difícil de achar por parte do homem, dado que, paradoxalmente, é “óbvia demais”, “mais do que óbvia”, tão “ultimamente e radicalmente óbvia” que o homem não a percebe; essa outra dimensão das coisas, apesar de pertencer às coisas e de estar em toda percepção delas, é tão “transparente” que carece da opacidade mínima necessária para que o saber comum e o saber científico-técnico acerca das coisas consigam “vê-la”!; trata-se da dimensão que vamos chamar de “o diáfano das coisas”.
= Eis o objeto próprio da filosofia, do saber filosófico acerca das coisas: a dimensão última e radical das coisas, que dizer, a dimensão do “diáfano” das coisas.
= E o que pertence a essa dimensão do “diáfano” das coisas?; vejamos; temos falado, por exemplo, da realidade duma coisa chamada de garrafa; pois bem, o que é “realidade”, o que é “coisa”?; dizemos que essa garrafa é algo que existe; pois bem, o que é “ser”, o que é “algo”, o que é “existência”?; dizemos que isso é uma verdadeira garrafa, que é bela, que é boa, etc.; pois bem, o que é “verdade”, o que é “beleza”, o que é “bondade”?; eis alguns exemplos daquilo que pertence à dimensão última e radical das coisas, à dimensão do “diáfano” delas, e, portanto, ao objeto próprio da filosofia, do saber filosófico.
= A dimensão do diáfano das coisas têm três caracteres:
# Primeiro: o diáfano das coisas, justamente em virtude da sua diafaneidade, “deixa que apreendamos” o óbvio e o ultra-óbvio delas, quer dizer, permite, sem obstáculos, o transcurso de nossa apreensão dessas outras duas dimensões das coisas.
# Segundo: o diáfano das coisas não só deixa que apreendamos o óbvio e o ultra-óbvio delas, mas “faz que apreendamos” essas outras duas dimensões das coisas, quer dizer, faz efetivamente e positivamente possível a nossa apreensão do óbvio e do ultra-óbvio das coisas; com efeito, poderíamos apreender essa garrafa se não tivesse realidade, se não fosse, se não existisse, etc.?
# Terceiro: o diáfano das coisas, não só deixa e faz que apreendamos as outras duas dimensões das coisas, mas é justamente a dimensão última e radical do óbvio e do ultra-óbvio delas, quer dizer, é a dimensão última e radical daquilo que constitui as coisas que apreendemos obviamente e ultra-obviamente.
= A dimensão do “diáfano” das coisas é a dimensão do “transcendental” delas, enquanto que a dimensão do “óbvio” e do “ultra-óbvio” das coisas é a dimensão do “talitativo” delas.
# Daquilo que temos dito se desprende que a dimensão do “diáfano” das coisas “transcende” (ultra-passa), as dimensões do óbvio e do ultra-óbvio delas.
# Agora bem, isso não quer dizer que a dimensão do “diáfano” das coisas seja “transcendente” às coisas, porque, o “diáfano” das coisas é, como acabamos de dizer, uma dimensão “das coisas”, aliás, a dimensão última e radical “delas”; dito de outro modo: o “diáfano” não é nada fora, à parte, acima, etc., das coisas; com efeito, jamais encontraremos por aí “a” coisa, “a” realidade, “o” ser, “a” existência, “o” algo, “a” verdade, “a” beleza, “a” bondade, etc.; encontraremos, isso sim, que todas e cada uma das coisas são coisas reais, que são algo existente, verdadeiro, belo, bom, etc.
# Como chamar, então, esse caráter da dimensão do “diáfano” das coisas que “transcende” as dimensões do óbvio e do ultra-óbvio delas, mas que não transcende as coisas, quer dizer que não é “transcendente” às coisas?; a filosofia o chama de “transcendental”, para distingui-lo do único “transcendente” que seria Deus.
# Agora bem, a dimensão do “diáfano” das coisas, a dimensão do “transcendental” das coisas, a dimensão “transcendental” das coisas, tem dois caracteres essenciais, que constituem a índole constitutivamente enigmática dela:
+ O primeiro caráter já o temos apontado: a dimensão do “diáfano” das coisas, a dimensão do “transcendental” das coisas, a dimensão “transcendental” das coisas, “transcende” (ultrapassa) as dimensões do óbvio e de ultra-óbvio delas, mas “não-transcendendo” as coisas, quer dizer, sem ser algo fora, à parte, acima, delas, isto é, sendo uma dimensão, a última e radical, das coisas.
+ Segundo caráter: a dimensão do “diáfano” de cada coisa, a dimensão do “transcendental” de cada coisa, a dimensão “transcendental” de cada coisa, é, em certo modo, idêntica (numericamente e fisicamente a mesma) à dimensão do “diáfano” de todas as demais coisas, à dimensão do “transcendental” de todas as demais coisas, à dimensão “transcendental” de todas as demais coisas; com efeito, quando dizemos, por exemplo, que esta garrafa é uma coisa real, existente, verdadeira, bela e boa, estamos dizendo “exatamente o mesmo” que quando dizemos isso de qualquer outra coisa do Universo!; por conseguinte, a dimensão do “diáfano”, do “transcendental”, apresenta-se a nós como uma espécie de envolvente fisicamente e numericamente única e universal de todas as coisas do Universo!
# Isto quer dizer que, se as coisas tivessem apenas a dimensão do “diáfano” delas, ou seja, a dimensão do “transcendental” delas, a dimensão “transcendental” delas, não se distinguiriam em nada umas coisas das outras; evidentemente, não é assim; em que se distingue, então, por exemplo, esta garrafa das demais coisas do Universo, dado que enquanto coisa real, existente, verdadeira, bela e boa, etc., é exatamente igual a todas elas?; esta garrafa se distingue de todas as demais coisas do Universo em que esta garrafa é “tal” coisa real, existente, etc., quer dizer, em que tem “tal” tamanho real, existente, etc., “tal” forma real, existente, etc., ocupa “tal” lugar real existente, etc., está composta de “tais” elementos físico-químicos reais, existentes, etc., etc.; em definitiva, se distingue por ter “tal” dimensão óbvia e “tal” dimensão ultra-óbvia; daí que a filosofia chame as dimensões do óbvio e do ultra-óbvio das coisas de dimensão “talitativa” delas, de dimensão da “talidade” delas.
# Neste sentido, portanto, enquanto a filosofia, que é o saber acerca da dimensão do “diáfano” das coisas, é o saber acerca da dimensão “transcendental” das coisas, os saberes comum e científico-técnico, que são o saber acerca da dimensão do “óbvio” das coisas e o saber acerca do “ultra-óbvio” das coisas, respectivamente, são o saber acerca da dimensão “talitativa” das coisas, da dimensão da “talidade” das coisas.
= A dimensão do “diáfano” das coisas é a dimensão do “metafísico” delas, enquanto que a dimensão do “óbvio” e do “ultra-óbvio” das coisas é a dimensão do “físico” delas.
# As dimensões do óbvio e de ultra-óbvio das coisas costumam ser consideradas como a dimensão “física” delas, como “o físico” das coisas; pois bem, temos que dizer, então, que a dimensão do “diáfano” das coisas, a dimensão “transcendental” delas, é a dimensão do “meta-físico” das coisas, a dimensão “metafísica” das coisas.
# Mas aqui temos que fazer um esclarecimento similar ao que temos feito anteriormente: o “metafísico” das coisas não é “aquilo que está “meta” (além) do físico das coisas”, porque, como temos dito, o diáfano, o transcendental das coisas não é transcendente às coisas, quer dizer, não está fora, à parte, acima, da dimensão “física” das coisas; pelo contrário, o “metafísico” das coisas é “o físico mesmo das coisas em dimensão “meta” (além)”, quer dizer, o físico mesmo das coisas em dimensão “trans-(meta, além)-cendental”!
# Por conseguinte, o saber comum e o saber científico-técnico é o saber acerca da dimensão do físico das coisas; a filosofia, no entanto, é o saber acerca da dimensão “metafísica” das coisas, o saber acerca do “metafísico” das coisas; em definitiva, a filosofia é o saber metafísico acerca das coisas, a filosofia é puramente e simplesmente metafísica!; usualmente, a metafísica é considerada como uma “parte” da filosofia junto às outras: lógica, ética, cosmologia, antropologia, metafísica, etc., mas, na verdade, todas essas partes da filosofia são “metafísica”: a lógica é metafísica do logos; a ética, metafísica do moral; a cosmologia, metafísica do mundo, a antropologia, metafísica do homem, etc.






2. As dificuldades peculiares da filosofia enquanto saber acerca do diáfano, do transcendental, do metafísico das coisas.


a. Precisamente por ser o saber acerca do diáfano das coisas, a filosofia é o saber humano mais dificultoso e violento.
= Neste mundo, as coisas mais difíceis de ver são justamente aquelas que são totalmente transparentes, claras, diáfanas; quem de nós, por exemplo, não teve já a experiência de chocar violentamente contra uma porta de vidro…?; pois bem, precisamente enquanto saber acerca do diáfano das coisas, o saber filosófico, a filosofia, consiste na “visão intelectiva” mais dificultosa: na visão intelectiva da “diafaneidade” mesma das coisas, da dimensão “diáfana” das coisas!; a filosofia é o exercício dessa dificílima e violentíssima operação intelectiva que é justamente a visão intelectiva do “diáfano” das coisas!
= Este caráter difícil e violento do saber filosófico, da filosofia, não é devido primariamente e radicalmente à “nossa ofuscação intelectiva” perante o diáfano, como pensam Aristóteles e S. Boaventura, mas ao “caráter de diafaneidade do diáfano mesmo”.
# Vejamos o que nos dizem Aristóteles e S. Boaventura.
+ Diz Aristóteles: “Do mesmo modo que se comportam os olhos do morcego a respeito da luz do meio-dia, comporta-se também o intelecto de nossa alma a respeito das coisas que são as mais visíveis do mundo (té phúsei phanerótata pánton)”; quer dizer: assim como os olhos do morcego, acostumados à escuridão, ficam ofuscados perante a luz do meio-dia, assim a intelecção humana, acostumada a inteligir coisas que na realidade são menos visíveis (mais tenebrosas), fica ofuscada perante as coisas que na realidade são as mais visíveis deste mundo; Aristóteles não deu especial importância a isto, porque escreveu essas linhas e nada mais disse.
+ S. Boaventura cita literalmente o texto de Aristóteles e acrescenta: “Porque, estando acostumado às trevas dos seres e das imagens sensíveis, quando o homem vê a luz do Ser Supremo [Deus], parece-lhe que nada vê; não entende que essa escuridão é a iluminação suprema da nossa mente”; refere-se S. Boaventura à dificuldade da nossa intelecção de Deus e da presença dele no mundo, justamente porque a luz de Deus é tão suprema que nos ofusca.
# Pois bem, tudo isso é verdade, sem dúvida alguma, mas não é a verdade primária e radical, porque a dificuldade e a violência da nossa visão intelectiva do diáfano não consiste primariamente nem radicalmente na “ofuscação da nossa visão intelectiva” perante o diáfano, mas, antes de tudo, no “caráter de diafaneidade do diáfano mesmo”; com efeito, o diáfano das coisas é extremamente dificultoso e violento de ver intelectivamente por dois motivos:
+ Primeiro, porque o diáfano, como temos dito, apesar de ser uma dimensão de todas e cada uma das coisas, não pertence à dimensão óbvia delas e nem sequer à dimensão ultra-óbvia delas, mas é justamente a dimensão das coisas “óbvia demais”, “mais do que óbvia”, tão “ultimamente e radicalmente óbvia” que a nossa visão intelectiva filosófica só consegue “vê-la” com extrema dificuldade e violentando-se energicamente a si mesma!
+ Segundo, porque o diáfano, sendo como é a dimensão última e radical de todas as coisas, incluída, portanto, uma coisa chamada de “visão intelectiva humana”, não pode ser visto intelectivamente por nós “desde fora dele”, mas sempre e só “desde dentro dele mesmo”!; dito de outro modo: o saber filosófico, a filosofia, consiste em tratar de ver intelectivamente a diafaneidade das coisas, mas sem sair-se da diafaneidade mesma delas e de si mesma!; daí que a filosofia, a visão intelectiva da diafaneidade das coisas, seja essa espécie de dificultosa e violenta retorsão da visão intelectiva das coisas sobre si mesma para poder ver intelectivamente nela a diafaneidade das coisas mesmas!; e daí que aquilo que a filosofia pretende não é tirar-nos fora das coisas, mas justamente o contrário: pretende reter-nos nelas ultimamente e radicalmente para fazer-nos ver intelectivamente o diáfano delas!
= Por conseguinte, temos que afirmar energicamente, por muito paradoxal que pareça, que a filosofia é o saber mais dificultoso e violento acerca das coisas justamente por ser o saber mais diáfano acerca delas!
# Daí que as coisas que diz a filosofia, muitas vezes pareçam truísmos, quer dizer, afirmações tão triviais e tão evidentes que é uma perda absoluta de tempo entreter-se ainda que seja só em enunciá-las…; por exemplo, a filosofia clássica afirma que todas as coisas “são”, quer dizer, que “ser” é algo que pertence à dimensão diáfana (transcendental, metafísica) de todas as coisas; pois bem, pode parecer que deter-se a pensar nisso, quer dizer, a pensar que “as coisas “são”” é perder miseravelmente o tempo, porque o que “conta” verdadeiramente e só é ““aquilo” que as coisas são”!
# Acontece, porém, que essa presumível perda absoluta e miserável de tempo nos leva precisamente a possuir intelectivamente as coisas na maior profundidade delas, quer dizer, a possuir intelectivamente a dimensão última e radical das coisas!!!; entre outros fatores, a preguiça mental poder-nos-ia conduzir a negar que haja uma dimensão diáfana (transcendental, metafísica) das coisas, e a considerar a filosofia como uma pura invenção de mentes delirantes...; muita atenção!; negar o transcendental (o diáfano, o metafísico) das coisas costuma ser o primeiro passo para negar o transcendente: Deus!!!!; daí que muitos ateísmos, sobretudo os positivistas, sejam anti-metafísicos convictos…
b. A índole constitutivamente problemática do saber filosófico, da filosofia, em comparação com o saber científico-técnico.
= O saber científico-técnico tem claro o seu objeto; todo ramo da ciência ou da técnica busca intelectivamente a dimensão ultra-óbvia dum objeto mais ou menos determinado com o qual o homem já topou; os cientistas e os técnicos se põem diante duma série de problemas que colocam uns objetos mais ou menos determinados, já encontrados, e tentam resolvê-los; o conjunto desses problemas e das tentativas de solução deles constitui a realidade da ciência e da técnica.
# Tanto é assim que, se um ramo da ciência ou da técnica não soubesse previamente e com claridade quais são os problemas e as soluções que persegue, isso seria sinal inequívoco de que ainda não pode formar parte do saber científico-técnico; qualquer titubeio neste sentido é sinal inequívoco de imperfeição e de imaturidade dum presumível ramo do saber científico-técnico.
# Isso não quer dizer que o saber científico-técnico seja imutável; tudo pelo contrário: os diversos ramos do saber científico-técnico mudam constantemente; mas aquilo que muda neles é o conteúdo concreto das soluções dadas por eles aos diversos problemas colocados; os problemas dos diversos ramos do saber científico-técnico ficam inalterados; assim, por exemplo, é certo que a visão física do Universo tem mudado profundamente desde Galileu até Einstein, mas também é certo que todas as mudanças da visão física do Universo tem acontecido como resposta a um mesmo problema geral previamente definido e sabido pela ciência física: a medição matemática do Universo.
# Alguma vez muda também a formulação dos problemas dum ramo do saber científico-técnico, ainda que isso aconteça só raríssimas vezes e depois de longos lapsos de tempo; mas, de todos modos, quando esse fato se produz, se deve sempre a uma nova formulação dos problemas desse ramo do saber científico-técnico, que é tão clara e determinada como a anterior; nesses casos, cabe perguntar-se se esse ramo do saber científico-técnico não tem deixado de ser aquilo que era para converter-se num outro ramo diferente do saber científico-técnico; por exemplo, a física da Idade Média e a física de Galileu são na realidade dois saberes científicos diferentes: o primeiro estuda os princípios do ente móvel; o segundo estuda a medição matemática do Universo das coisas materiais; seja como for, em ambos os casos a física só foi saber científico quando começou a dizer-se a si mesma previamente e com claridade aquilo que buscava intelectivamente.
= A sorte do saber filosófico, da filosofia, é completamente diversa!; o saber científico-técnico tem problemas perante ele, às vezes complicadíssimos, e tenta resolvê-los; o saber filosófico, a filosofia, começa por ser ela mesma um gravíssimo problema, por ser ela mesma constitutivamente problemática!
# A precisa e rigorosa articulação entre um problema claramente formulado de antemão e a solução dele, que é a base de todo saber científico-técnico, perde sentido no saber filosófico, na filosofia, porque, na realidade, o saber filosófico, a filosofia, começa por não saber se tem objeto próprio ou, pelo menos, não parte da prévia e firme possessão dele!
# Daí que o saber filosófico, a filosofia, seja, antes de mais nada, um esforço contínuo para justificar a existência do objeto próprio que pretende ter; dito de outro modo: a filosofia, o saber filosófico, é constitutivamente uma perene reivindicação do seu objeto próprio mediante um enérgico intento de iluminá-lo, é uma tentativa constante de salientar denodadamente a existência do seu objeto próprio, de abrir-lhe espaço e passagem!
# E isto é assim, como temos visto, não porque o saber filosófico, a filosofia, simplesmente ignore ou desconheça de fato o seu objeto próprio, mas porque a índole desse objeto é “constitutivamente latente”, quer dizer, porque o objeto próprio da filosofia, do saber filosófico, ou seja, a dimensão última e radical das coisas, é de caráter diáfano, transcendental, metafísico!
# Se eliminamos da nossa consideração o óbvio e o ultra-óbvio das coisas, o que resta?; parece não restar absolutamente nada; essa é a problematicidade da filosofia, do saber filosófico: precisamente porque parece que não resta nada, o saber filosófico, a filosofia, declara ferrenhamente que resta nada menos que a dimensão última e radical das coisas, a qual parece não restar justamente porque é diáfana, transcendental, metafísica!; a luta por fazer que não desapareça o diáfano, o transcendental, o metafísico das coisas, é precisamente a violência problemática constitutiva da filosofia.
# Por isso, não tem nada de estranho que, desde o arkhé dos pré-socráticos, passando pelo ser de Parmênides, a Idéia de Platão, o ente de Aristóteles, o ente finito da escolástica, o cogito de Descartes, o conceito objetivo de Leibniz, as condições transcendentais da experiência de Kant, o saber absoluto de Fichte, Schelling e Hegel, até o “de seu” de Zubiri, a filosofia, o saber filosófico, tem sido o ingente esforço progressivo de constituir intelectivamente o seu próprio objeto, a tarefa violenta de tentar arrancá-lo da sua constitutiva latência para colocá-lo numa efetiva patência!
c. Assim podemos compreender um pouco a “angustura intelectual” que oprime os filósofos.
= Somente quando se encontra já filosofando, vislumbra o filósofo a ingente tarefa que encetou pondo-se a filosofar; só quando o problema, que é a filosofia em si mesma, vai se abrindo passagem no filosofar do filósofo, perfila-se e desenha-se perante seus olhos a figura descomunal desse problema!
= É possível que o filósofo tenha “começado” a filosofar com um certo propósito intelectual próprio, mas isto não quer dizer que esse “começo” seja o “princípio” da sua filosofia, porque o princípio da filosofia de todo filósofo, o principio de toda filosofia, é justamente a índole constitutivamente problemática da filosofia enquanto tal!
= Daí que, nesse sentido, possamos dizer abertamente: no saber filosófico, na filosofia, o “princípio” é o “fim”, porque no passo primeiro, originário e radical da filosofia, está já “toda” a filosofia; tanto é assim, que enquanto o saber científico-técnico imaturo não é saber científico-técnico, como temos dito antes, no entanto, o saber filosófico, a filosofia, consiste precisamente no processo mesmo da sua maturidade: a filosofia deve amadurecer em cada filósofo!; o resto é filosofia escolar e acadêmica completamente estéril ou morta!
= Quando o filósofo caminha arduamente no seu filosofar, o saber filosófico, a filosofia ganha consistência nele; já não é mais o filósofo aquele que puxa a filosofia: é a filosofia aquela que puxa o filósofo!; já não é a filosofia obra do filósofo, mas o filósofo obra da filosofia!!!
d. Mas dá para dizer que existe “a” filosofia, ou só existem “filosofias”?
= A pergunta não é improcedente, porque basta dar uma olhada à história da filosofia para dar-se conta de que os diversos filósofos divergem sobre qual é o objeto próprio da filosofia, do saber filosófico; por exemplo: para Aristóteles é o ente; para S. Tomás de Aquino, o ente enquanto ente; para Kant, o objeto fenomênico; para Comte, o fato científico; para Bergson, o dado imediato da consciência; para Dilthey, a vida; para Husserl, a essência fenomênica; para Heidegger, o desvelado na existência tempórea; etc., etc. ; e é assim mesmo evidente que a índole da filosofia, do saber filosófico enquanto modo de saber, também é diverso para todos esses filósofos, porque depende de qual é o objeto próprio que tem que “saber” a filosofia; por conseguinte, cabe perfeitamente perguntar: se, em definitiva, as concepções daquilo que é a filosofia são tantas quantos filósofos, é possível falar ainda de “a” filosofia ou temos que falar simplesmente de “as” filosofias?
= À pergunta temos que responder o seguinte: é certo que o conceito de filosofia não é “unívoco”, porque as diferentes filosofias “não dizem o mesmo”; mas também é certo que o conceito de filosofia também não é “equívoco”, porque as diferentes filosofias “falam do mesmo”; do quê?; não dum mesmo conceito de filosofia, mas sim dum “mesmo saber real em marcha”: do saber filosófico, da filosofia, que é um saber que constitutivamente deve estar buscando-se constantemente a si mesmo tanto em virtude da índole peculiar do seu objeto (o diáfano, o transcendental, o metafísico das coisas), quanto em virtude da índole peculiar do seu saber (a problematicidade constitutiva do saber acerca do diáfano, do transcendental, do metafísico das coisas).
= Por isso, todos os filósofos, unanimemente, sentem intelectivamente o saber filosófico, a filosofia, como imprescindível, ainda que seja impossível de definir precisamente e determinadamente de antemão; daí que Aristóteles chame a filosofia de “conhecimento que se busca”, e que, sete séculos mais tarde, nos diga Sto. Agostinho: “Busquemos como buscam aqueles que ainda não encontraram, e encontremos como encontram aqueles que ainda hão de buscar!”



II
A GÊNESE DA FILOSOFIA:
SABEDORIA, NOVA SABEDORIA E FILOSOFIA












A. A sabedoria oriental antiga






1. Desde tempos remotos, surge no antigo Oriente (Caldéia, Egito, Índia, Grécia, etc.) aquilo que chamamos de “sabedoria”.




2. É um tipo de saber que tem quatro características: (1) enfrenta-se com a totalidade do Universo, (2) porque quer chegar às raízes últimas do mundo e da vida, (3) com a finalidade de fixar o destino do mundo e da vida, (4) para poder assim dirigir os atos do homem.




3. Os sábios orientais nos contam em narrações (chamadas de “mitologias”) o nascimento dos deuses (chamado de “teogonia”) e o nascimento do Universo (chamado de “cosmogonia”) pela ação dos deuses ou de agentes extramundanos: o céu e a terra são produto dos deuses; esses deuses não têm nada a ver com a “índole” do céu e da terra.




4. O conteúdo da sabedoria oriental é, sobretudo, “presságio”: a teogonia se prolonga numa cosmogonia que nos mostra o lugar que cada coisa tem no mundo, quer dizer, a hierarquia de potestades que debruçam sobre ele; por isso, o sábio oriental o que faz é interpretar o sentido dos eventos: o olhar do sábio se detém no espetáculo da totalidade do Universo simplesmente para referi-la a um pretérito, relatando a origem dela, e para projetá-la num futuro, adivinhando o sentido dela.








B. A nova sabedoria indo-grega






1. No mundo indo-europeu, um dia, o olhar do sábio se detém “admirado” no espetáculo da totalidade do Universo nela mesma; nesse momento, as coisas apresentam-se-lhe ao sábio como que assentadas na mole compacta do Universo e agitando-se nela.




2. Bastou este momento de detenção admirada da mente do sábio no Universo em si mesmo, para separar os sábios hindus e gregos do resto dos sábios: a cosmogonia dos sábios hindus e gregos começa a conter algo muito diferente, porque a sabedoria deles deixa de ser simples “presságio” para converter-se, ademais e sobretudo, em “veda” e em “sophía”.




3. A sabedoria hindu (veda)


a. Conteúdo fundamental
= Em alguns hinos védicos, nos Brâmanes e nos Upanixades mais antigos, há referências ao conjunto do Universo nele mesmo, quer dizer, a tudo aquilo que há e àquilo que não há no Universo “enquanto tal”; esses textos afirmam que o Universo inteiro se acha assentado numa raiz divina: no absoluto (bramã).
= Mas o sábio hindu se dirige ao Universo para evadir-se dele ou para submergir-se na sua raiz divina, no bramã; o sábio hindu faz desta evasão ou imersão a chave da sua existência: é a busca da identidade do atmã (o espírito do homem) com o bramã (o absoluto); o sábio hindu sente-se assim parte dum tudo absoluto e a ele reverte.
= O veda, a sabedoria hindu, portanto, tem, antes de tudo, caráter “operativo”: é verdade que algum dia pretenderá passar por etapas que podem assemelhar-se a um conhecimento quase “especulativo”, mas este tipo de conhecimento é sempre uma ““ação” cognitiva” orientada para o absoluto, para a comunhão com ele.
= Por isso, o veda é fundamentalmente “teosofia” (o saber unir-se com a raiz divina, com o absoluto) e “teurgia” (a arte de realizar essa união).
b. A sabedoria hindu, o veda, é filosofia, é metafísica?
= Há sempre uma certa equivocidade quando se fala de “filosofia hindu”, de “metafísica hindu”; vejamos.
# É certo que na sabedoria da Índia há massas de pensamentos que, com certa razão, “nós” qualificamos de metafísicos: se não os Upanixades mais antigos (Chândogya, Brihadâranyaka, etc.), sim os mais recentes têm uma grande quantidade de idéias que “para nós” seriam metafísicas; neste sentido, os comentaristas do Vedanta, como Shánkara ou Râmânuja, têm uma grande quantidade de desenvolvimentos filosóficos.
# Mas a questão é: esses pensamentos e idéias eram metafísicos “para os hindus”?; tinham os hindus um conceito um pouco rigoroso e preciso - ainda que diferente do nosso - daquilo que nós chamamos de metafísica?; isso é discutível.
= É um erro grave - muito freqüente, infelizmente - construir uma metafísica hindu fazendo, com idéias e pensamentos hindus, aquilo que nós ocidentais entendemos por metafísica; com efeito, se vertemos os nossos conceitos metafísicos ocidentais sobre o pensamento hindu, aquilo que obtemos é um “híbrido” que será qualquer coisa menos metafísica hindu; isso é tão errado como considerar “teologia de S. Paulo” as presumíveis respostas que S. Paulo daria a um programa de teologia atual, quando a teologia de S. Paulo é o programa teológico e as respostas que S. Paulo tinha na mente dele!
= Por conseguinte, deixemos de lado a presumível filosofia da Índia, a qual mereceria, sem dúvida, um curso à parte; seja como for, é indiscutível que a Índia dirigiu-se para o absoluto por uma via morta no âmbito da inteligência especulativa.








C. O orto da filosofia na Grécia: a sophía, a sabedoria como possessão da verdade sobre a Natureza






1. Nas costas jônicas da Ásia Menor surge, com Tales, Anaximandro, etc., o tipo do grande pensador que enfrenta-se com a totalidade do Universo, para referir-nos “a realidade própria dela”, e não só o nascimento dela pela ação dos deuses.


a. Há muitas especulações históricas que buscam as origens da filosofia grega no Oriente remoto, no Oriente próximo, no Egito, na Mesopotâmia, etc.; mas todas essas especulações históricas costumam esquecer o mais elementar e essencial: os gregos tiveram “talento” para dirigir-se à dimensão “diáfana” das coisas, do mesmo modo que tiveram talento para transformar o saber em ciência; vejamos.
= Para ter ciência não é suficiente ter um monte de conhecimentos intelectuais, mesmo que rigorosos.
= Os babilônios e os egípcios, por exemplo, tiveram muitos mais conhecimentos matemáticos (por exemplo, de álgebra abstrata) que os gregos.
= Os gregos, no entanto, que não tinham a menor idéia da álgebra abstrata, tomaram só dois ou três números, com eles puseram imediatamente em função um logos, e fizeram uma “demonstração”, um “teorema”, algo completamente alheio a babilônios e egípcios.
b. Assim pois, os gregos tiveram talento para apropriar-se da possibilidade do saber acerca do diáfano das coisas: foi o orto da filosofia: a filosofia se constituiu como saber quando a inteligência dos gregos foi arrastada pela diafaneidade das coisas; isto era uma pura possibilidade; de fato, não todas as mentes ao longo da história humana tiveram acesso à filosofia; a filosofia começou ali onde um grego, sabendo-o ou sem sabê-lo, pretendendo-o ou sem pretendê-lo, lançou-se à busca do diáfano das coisas!




2. O descobrimento da Natureza (Physis)


a. Os jônicos descobrem que a realidade própria da totalidade do Universo possui “em si mesma” uma estrutura unitária e radical: de fato, todas as coisas que existem no céu e na terra nascem do Universo (e não só da ação dos deuses!), vivem no Universo e revertem ao Universo quando morrem.
b. Então os jônicos nos dizem que esse fundo universal donde nasce tudo quanto há no Universo é a “Natureza” (a “Physis”, de “phyo”, nascer, brotar, surgir, emergir, etc.); “Natureza” não é apenas o conjunto das coisas que há no Universo; “Natureza” (physis) é o conjunto das coisas que há no Universo “enquanto que todas elas “nascem” (phyo) dum único “princípio” (arkhé) universal”.




3. Por conseguinte, a Natureza, no sentido explicado, tem duas dimensões, segundo estes pensadores jônicos; com efeito, o nascimento de todas as coisas do Universo é concebido por eles como um magno ato vital com duas dimensões essenciais:


a. Natureza como “princípio” (arkhé) de todas as coisas:
= As coisas nascem da Natureza como algo que esta produz “de seu”.
= A Natureza, portanto, está dotada duma estrutura própria, independente das vicissitudes teogônicas e cosmogônicas.
b. Natureza como “fundamento permanente” (arkhé) de todas as coisas:
= O nascimento das coisas é concebido como um movimento gerador em que elas vão auto-conformando-se nessa espécie de substância que é a Natureza.
= Dito de outro modo: as coisas, na sua geração “natural”, recebem da Natureza a sua substância; e, neste sentido, a Natureza é algo que constitui o fundamento permanente que há em todas as coisas do Universo a modo de substância da qual todas elas estão feitas.
= Pois bem, com a idéia da “permanência” desse fundamento, o pensamento grego inaugura um tipo de saber, a sophía, que abandona definitivamente os caminhos da mitologia e da teo-cosmogonia, para dar origem àquilo que mais tarde serão propriamente a filosofia e a ciência.




4. A Natureza é eterna.


a. A Natureza, fonte inesgotável de todas as coisas, permanece no fundo de todas elas eternamente fecunda e imperecível por cima da caducidade de todas as coisas.
b. Daí que a Natureza seja “ápeiron” (indeterminada, ilimitada) e, portanto, eterna; os jônicos imaginam essa eternidade da Natureza como um perfeito voltar a começar sem perda alguma, como uma perene juventude (não esqueçamos que eternidade (aión) e juventude (iuvenis) têm uma raiz idêntica: *ayu-, *yu-).
c. Assim pois, a eternidade da Natureza consiste numa perene juventude, num movimento cíclico, num eterno retorno.




5. A Natureza é “o divino” (theion).


a. Para as antigas religiões politeístas, ser divino significa ser imortal; a imortalidade dos deuses deriva do “inesgotável” caudal de vitalidade deles.
b. Pois bem, para o sábio grego, a Natureza também é algo “divino” neste sentido; a Natureza abrange todas as coisas, está presente em todas elas com uma presença “vital”; esta presença vital da Natureza nas coisas, umas vezes está dormida, outras, desperta; estas variações da presença vital da Natureza em todas as coisas têm um caráter cíclico: acontecem conforme uma ordem e uma medida que é o tempo (khrónos).




6. Os sophói


a. Estes pensadores gregos, foram chamados de sophói (sábios) porque arrancaram do Universo o véu que ocultava a sua Natureza, revelando aos homens aquilo que “sempre é”.
b. Aristóteles nos diz sobre eles o seguinte:
= São sophói porque são “aqueles que “filosofaram” sobre a verdade”, uma verdade que consiste apenas no descobrimento da Natureza; para eles, buscar a verdade e buscar a Natureza são sinônimos; daí que as obras destes sophói tenham sido invariavelmente poemas “Sobre a Natureza”.
= Estes sophói são “fisiólogos”, porque são aqueles que buscaram a “razão” (lógos) da Natureza (physis).
= Estes sophói realizaram este descobrimento pela excepcional força da sua mente, capaz de concentrar-se e abranger com o seu olhar perscrutador (theoría!) a totalidade do Universo, penetrando até a última raiz dela e comunicando assim com o divino.




7. Conteúdo concreto destas sabedorias


a. É preferentemente aquilo que hoje chamaríamos de astronomia e meteorologia.
= Os fenômenos em que a Natureza se manifesta por excelência são precisamente os grandes fenômenos astronômicos e atmosféricos; neles se desencadeiam os supremos poderes que debruçam sobre as coisas do Universo.
= Daí que a theoría (o olhar contemplativo e perscrutador) tenha consistido primariamente num olhar “para o céu, para as estrelas”; essa theoría da abóbada celeste levou à primeira intuição da regularidade, da proporção e do caráter cíclico dos grandes movimentos da Natureza.
b. Também a geração, a vida e a morte dos seres vivos nos remetem ao mecanismo da Natureza.
c. Tudo isto se mostra àquele que possui a força para tirar o véu que oculta a Natureza.




8. Esta sophía, este descobrimento da Natureza é uma levíssima inflexão, quase imperceptível, a respeito da sabedoria antiga; uma ligeira oscilação a mais, e teremos a rota que, ao longo da história, levará o homem europeu pelos novos roteiros da filosofia e da ciência: a sabedoria não como “saber operativo”, mas como “puro saber”.


a. É certo que o sophós grego quer desempenhar uma função reitora do sentido da sua vida e da vida dos demais; com efeito, diz Aristóteles que um dos significados do termo “sophós”, ainda no tempo dele, é “aquele que dirige os outros e não é dirigido por ninguém”; e acrescenta: a função reitora do sophós assenta num saber excelente que abrange tudo quanto existe, especialmente o mais difícil e inacessível ao comum dos homens.
b. Mas também é certo que este saber, a sophía, não é um saber operativo no mesmo sentido que o é para o hindu.
= O saber hindu lança o homem a evadir-se do Universo ou a arrojar-se nele para identificar-se com o bramã (o absoluto): a sabedoria hindu é descobrimento do Universo “para possuir o absoluto”.
= A sophía, no entanto, simplesmente recurva o homem diante da Natureza e diante de si mesmo: o descobrimento do Universo pela sophía é simplesmente “a possessão da verdade da Natureza do Universo”.
# A sophía simplesmente “deixa” que o Universo e as coisas “fiquem” diante dos olhos do homem nascendo da Natureza “tal como são”.
# Dito de outro modo: a operação da mente do sophós é um fazer que consiste em não fazer com o Universo nada mais que deixá-lo, diante dos seus olhos, tal como é: então é quando propriamente aparece-lhe o Universo como Natureza.
# Em outras palavras: a operação da mente do sophós não tem outro termo que a “patência” do Universo como Natureza; por isso, o atributo primário dessa operação é a verdade entendida como a-létheia, como não-latência!
# Se o sophós dirige a sua vida e a vida dos outros, é com a pretensão de assentá-la nessa verdade, de fazer que o homem viva na verdade.
c. Daí que a sophía seja fundamentalmente uma especulação teorética.
= Por esta minúscula decisão dos jônicos, nasceu o intelecto europeu com toda a sua fecundidade teorética, e começou a perscrutar nos abismos insondáveis da Natureza.
= A sophía tenta dizer-nos algo da Natureza, “nada mais que pela Natureza mesma”; na verdade do sophós, o descobrimento da Natureza não tem outra finalidade senão esse descobrimento mesmo: por isso, é uma atitude teorética.
= Assim, na Grécia, a sabedoria deixa de ser primariamente religiosa para converter-se em especulação teorética, em sophía.
d. Esta sophía está ainda longe do que mais tarde serão a epistéme (ciência) e a filosofia propriamente ditas, mas é aquela que abre a rota da futura ciência e da futura filosofia.
= A sophía mais que uma “ciência” é uma “visão” teorética do mundo.
# Os contemporâneos destes sophói sentiram a ação e a palavra deles como um “despertar” a um mundo novo pela “admiração”: foi como um despertar à luz do dia; daí o caráter marcadamente confuso e bidimensional desta sabedoria em estado de despertar: estes sábios, na sua visão e na sua vida, movem-se num mundo novo, no mundo da verdade; mas o interpretam e o entendem com lembranças tomadas do mundo antigo: do mito; como diz Platão, no mito da caverna, vivem na luz, mas interpretam a luz desde a obscuridade: “o homem que sai pela primeira vez da obscuridade ao sol do meio-dia sente imediatamente a dor da ofuscação; os seus movimentos são um tenteio incerto, dirigidos mais que pela luz nova pela lembrança da obscuridade passada”.
# Por isso, estes sophói têm ainda roupagem e acentos de reformadores religiosos e de pregadores orientais.
+ O “descobrimento” deles se apresenta ainda como uma espécie de “revelação”.
+ O próprio Anaximandro, quando nos diz que a Natureza é “princípio”, a função que assinala a este “princípio” se assemelha muito a uma “dominação”.
+ A sabedoria mesma destes sophói tem ainda muito de regra religiosa; os homens que se consagram a ela acabam levando uma existência teorética (bíos theoretikós) que lembra a vida das “comunidades religiosas”; as escolas filosóficas têm ar de “seita”; assim, por exemplo, a escola pitagórica.
# Este caráter ainda confuso da sophía se evidencia com toda claridade na dupla reação que se produz nas mentes deles em ordem à idéia mesma do theós.
+ Com Ferécides, o “princípio” de Anaximandro se prolonga pelo que tem de “dominante”: é a teocosmogonia órfica; por esta via, o esforço dos jônicos volta a se perder no mito.
+ Com Xenófanes, o “princípio”, naquilo que tem de “raiz” ou de “physis”, começa a converter-se ele mesmo em theós; assim a teogonia antiga vai se convertendo numa espécie de física jônica dos deuses; é o primeiro esboço de teo-logia!
= Mas, com a sophía, a rota da filosofia e da ciência estão já abertas.
# Desde as origens, temos na sophía os três ingredientes dos quais jamais se verá privada a philo-sophía: uma teoria (jônicos), uma vida (pitagóricos), uma nova atitude teológico-religiosa (Xenófanes).
# A sophía tem ainda uma existência nebulosa, mas já aponta para uma nova visão do mundo: a filosofia; e para um novo tipo de sábio: o filósofo.



III
A FILOSOFIA NA FORMAÇÃO
DOS FUTUROS PRESBÍTEROS












A. Textos do Concílio Ecumênico Vaticano II






1. Decreto Optatam totius sobre a formação sacerdotal (n. 15)


a. As disciplinas filosóficas devem ser ensinadas de tal modo que os estudantes se sintam conduzidos a adquirir sobretudo um conhecimento sólido e coerente do homem, do mundo e de Deus, apoiados no patrimônio filosófico perenemente válido.
b. Para que os alunos conheçam de maneira exata a índole da época presente e se preparem convenientemente para o diálogo com os homens do seu tempo, tenham-se em conta também as pesquisas filosóficas dos tempos modernos, em especial as de maior influência na respectiva nação, bem como o mais recente progresso das ciências.
c. A história da filosofia se transmita de tal modo aos alunos que, enquanto penetram os princípios fundamentais mais decisivos dos vários sistemas, sejam capazes de reter aqueles que forem demonstrados verdadeiros, de descobrir as raízes dos erros e de refutá-los.
d. No próprio método didático, inculque-se nos educandos o amor pela verdade rigorosamente pesquisada, observada e demonstrada, juntamente com o reconhecimento honesto dos limites do saber humano.
e. Atenda-se diligentemente à relação da filosofia com os verdadeiros problemas da vida e também com as questões que agitam a mente dos estudantes.
f. Sejam ajudados os estudantes a descobrir o nexo existente entre os argumentos filosóficos e os mistérios da salvação, que são estudados na teologia à luz superior da fé.




2. Constituição pastoral Gaudium et spes


a. n. 7:
= Ao contrário do que acontecia em tempos passados, negar Deus ou a religião, ou abstrair de ambos, não é mais algo insólito e individual; com efeito, tais atitudes apresentam-se hoje, não raramente, como se fossem uma exigência do progresso científico ou de certo novo humanismo.
= Todas essas coisas, em muitas regiões, não somente são expressadas nas máximas dos filósofos, mas atingem amplamente também as letras, as artes, a interpretação das ciências humanas e da história..., de tal modo que, em conseqüência, muitos ficam perturbados.
b. n. 44:
= A Igreja, com efeito, desde o início de sua história, a fim de adaptar o Evangelho, enquanto possível, à capacidade de todos e às exigências dos sábios, aprendeu a expressar a mensagem de Cristo através dos conceitos e das linguagens dos diversos povos e, além disso, tentou ilustrá-la com a sabedoria dos filósofos.
= Esta maneira apropriada de proclamar a palavra revelada deve seguir sendo lei de toda a evangelização.
c. n. 53:
= Quando se aplica às múltiplas disciplinas da filosofia, da história, das ciências... e quando se ocupa das artes, o homem pode contribuir em alta medida a que a família humana se eleve às noções mais nobres do verdadeiro, do bom e do belo, e a um juízo de valor do Universo, de modo que seja mais claramente iluminada pela Sabedoria admirável, que está junto de Deus desde toda a eternidade, dispondo com Ele todas as coisas, brincando sobre o globo da terra e encontrando as suas delícias junto aos filhos dos homens.
d. n. 62:
= Os estudos e as descobertas mais recentes das ciências, da história e da filosofia despertam problemas novos, que acarretam conseqüências também para a vida e que exigem dos teólogos novas pesquisas.
= Aqueles que se dedicam às disciplinas filosófico-teológicas nos Seminários e Universidades procurem colaborar com os homens que sobressaem nas outras ciências, colocando em comum suas energias e opiniões.




3. Decreto Ad gentes


a. n. 16:
= Há que abrir e aguçar as mentes dos educandos, para que conheçam bem e possam julgar a cultura de sua gente; nas disciplinas filosóficas e teológicas, percebam as relações existentes entre as tradições e religiões pátrias e a religião cristã.
b. n. 22:
= Assim, perceber-se-á mais claramente por quais caminhos a fé pode procurar a inteligência; uma fé que tem em conta a filosofia ou sabedoria dos povos.








B. Sagrada Congregação para a Educação Católica, O ensino da filosofia nos Seminários (1972), I e II.






1. Dificuldades atuais dos estudos filosóficos


a. A reforma atual dos estudos filosóficos nos seminários enquadra-se num clima espiritual que apresenta-se, a respeito da filosofia, favorável e hostil ao mesmo tempo.
= Com efeito, dum lado, a nossa época, com numerosas mudanças sociais e movimentos ideológicos, é rica em apelos a um sério relançamento do pensar filosófico; de outro lado, porém, nota-se a tendência a menosprezar a filosofia até o ponto, em alguns casos extremos, de declará-la inútil ou de fazê-la desaparecer.
# Sem dúvida, a cultura atual, fechando-se cada vez mais ao problema da transcendência, está se tornando contrária a um autêntico pensamento filosófico, e especialmente à especulação metafísica, que é a única capaz de atingir os valores absolutos; neste sentido, há que mencionar, antes de tudo, o atual “espírito tecnológico” que tende a reduzir o homo sapiens ao homo faber.
+ A técnica, enquanto traz à humanidade numerosas e inegáveis vantagens, não sempre favorece no homem o sentido dos valores do espírito.
- Hoje se aprecia, em geral, que a mentalidade do homem parece endereçar-se sobretudo ao mundo material, concreto, ao domínio da natureza, mediante o progresso científico e técnico, reduzindo o conhecimento ao nível dos métodos das ciências positivas.
- O acento posto unilateralmente na ação endereçada ao futuro, o otimismo alimentado por uma confiança quase ilimitada no progresso, enquanto impelem às transformações imediatas e radicais no campo econômico, político e social, com freqüência fazem esquecer o caráter permanente de certos valores morais e espirituais e, sobretudo, fazem que pareça supérflua, ou até danosa, a autêntica especulação filosófica, que deveria, ao invés, ser considerada como base indispensável de tais mudanças.
+ Neste clima, a busca séria das verdades supremas é freqüentemente desprezada, e os critérios das verdades já não são os firmes e indiscutíveis princípios metafísicos, mas a atualidade e o sucesso; é, portanto, facilmente compreensível que o espírito do nosso tempo se apresente cada vez como mais antimetafísico e, por conseguinte, aberto a toda espécie de relativismo.
+ Neste contexto, não surpreende que já muitos não achem espaço para uma filosofia distinta das ciências positivas; hoje, com efeito, enquanto se aprecia quase em todas partes uma notável diminuição do interesse pelas disciplinas filosóficas clássicas, vai aumentando rapidamente a importância das ciências naturais e antropológicas, com as quais freqüentemente se pretende dar uma explicação exaustiva da realidade, chegando até o ponto de eliminar completamente a filosofia como algo arcaico e destinado a ser superado; desse modo, ao invés dum desejável encontro que poderia contribuir ao verdadeiro bem e progresso tanto das ciências quanto da filosofia, vai-se verificando um antagonismo com conseqüências negativas para ambas as partes.
# Ao mesmo tempo que muitos cientistas se opõem à filosofia distinta das ciências positivas até o ponto de rejeitar a existência dela, certos teólogos consideram a filosofia inútil e até danosa para a formação sacerdotal; acham que a pureza da mensagem evangélica foi colocada à risco, no curso da história, pela introdução da especulação grega nas ciências sagradas; pensam que a filosofia escolástica sobrecarregou a teologia especulativa com um monte de problemas falsos e, portanto, são da opinião de que as disciplinas teológicas tem que ser cultivadas exclusivamente com o método histórico.
= Outras dificuldades nascem no campo mesmo da filosofia; com efeito, ali onde a filosofia não é contestada, é cada vez mais forte o pluralismo filosófico.
# Ele é devido não só ao encontro das diversas culturas do mundo, à diversidade e à complexidade das correntes filosóficas, mas também ao pluralismo quase inesgotável das fontes da experiência humana.
# Este processo vai se acentuando apesar dos louváveis esforços que vários filósofos modernos estão realizando para chegar a uma maior coerência dos seus sistemas e a posições mais equilibradas.
# A vastidão e a profundidade da problemática suscitada pelo surgimento de várias filosofias novas e pelo progresso científico é tal que torna extremamente difícil não só uma síntese, mas também a assimilação de novas noções tão necessárias para um ensino filosófico verdadeiramente vivo e eficaz.
b. É natural que esta situação repercuta gravemente nos estudos filosóficos nos seminários.
= Dela se ressentem tanto os professores quanto os alunos.
# Os professores
+ É bem sabido quão graves e numerosas tarefas impõem-se hoje à atividade dum professor de filosofia: a necessidade de assimilar uma grande quantidade de noções novas derivadas das diversas mentalidades filosóficas e do progresso das ciências; a problemática, às vezes totalmente nova, que tem que afrontar; as exigências de novas adaptações na linguagem e nos métodos didáticos, etc.
+ E tem que afrontar tudo isso, às vezes, num curto espaço de tempo, num ambiente pobre de meios e com uns alunos não sempre suficientemente interessados e preparados.
# Os alunos
+ Ainda que demonstram interesse por certos problemas vivos, que dizem respeito ao homem a à sociedade, em geral não são encorajados aos estudos filosóficos pelo clima cultural atual (endereçado geralmente mais às imagens do que à reflexão) e, sobretudo, pela preparação prévia, que com freqüência é de índole sobretudo técnica e endereçada à praxe.
+ Existem, ademais, outras circunstâncias mais específicas que tornam menos atraente para os alunos o estudo da filosofia: a perplexidade que muitos deles experimentam perante a multiplicidade das correntes filosóficas contrastantes; o caráter, a seu aviso, exigente demais e talvez impossível duma busca desinteressada da verdade; a aversão aos sistemas fixos e recomendados pela autoridade; as deficiências dum ensino pouco atualizado que apresenta uma problemática antiquada, separada da vida; uma certa linguagem filosófica arcaica, pouco acessível ao homem moderno; uma excessiva abstração, que impede que os estudantes tenham uma visão clara do nexo entre filosofia e teologia e, sobretudo, entre filosofia e atividade pastoral, à qual eles desejam se preparar acima de tudo.
= Daí que haja em vários seminários um certo sentido de mal-estar, de desgosto e de desafeição a respeito da filosofia; daí as dúvidas sobre o valor e a utilidade prática dos estudos filosóficos; daí também os fenômenos de diminuição ou inclusive de abandono do autêntico ensino filosófico em favor das ciências que parecem serem mais atuais e endereçadas às exigências concretas da vida.
c. Como se vê, as dificuldades principais que põem hoje em questão os estudos filosóficos nos seminários parecem poder ser reduzidas a estas três:
= A filosofia não tem mais o seu objeto próprio: ela tem sido absorvida e substituída pelas ciências positivas, naturais e humanas, as quais estão voltadas aos problemas verdadeiros e reais, estudando-os com a ajuda dos métodos que são reconhecidos hoje como unicamente válidos; é a atitude inspirada nas correntes positivistas, neo-positivistas e estruturalistas.
= A filosofia tem perdido a importância com vistas à religião e à teologia: os estudos teológicos devem desligar-se da especulação filosófica como dum inútil jogo de palavras, e construir-se com plena autonomia sobre uma base positiva fornecida pela crítica histórica e pelos métodos exegéticos especiais; a teologia do futuro será, portanto, tarefa específica dos historiadores e dos filólogos.
= A filosofia contemporânea tornou-se hoje uma ciência esotérica, inacessível à maior parte dos candidatos ao sacerdócio: as modernas escolas filosóficas (a fenomenologia, o existencialismo, o estruturalismo, o neopositivismo, etc.) cultivam o seu saber a um nível tal de tecnicismo no vocabulário, na análise e nas demonstrações, que tornaram-se um campo privativo para expertos altamente especializados; não se vê, portanto, nem a conveniência nem a possibilidade de inserir uma ciência tão difícil e complexa na formação normal dos candidatos ao sacerdócio.
d. É compreensível que estes obstáculos pareçam a muitos quase insuperáveis e que sejam capazes de suscitar em certos ambientes um verdadeiro e autêntico desânimo.




2. A necessidade da filosofia para os futuros sacerdotes


a. Apesar de ter em conta quanto temos dito acima, estamos convencidos, no entanto, de que todas as tendências a abandonar a filosofia ou a diminuir a importância dela podem ser superadas e, portanto, de que não devem desanimar-nos; ainda que os obstáculos que hoje se opõem ao ensino filosófico sejam numerosos e difíceis, não se vê como a filosofia possa ser subestimada, ou até suprimida, na formação a um verdadeiro humanismo e, especialmente, com vistas à missão sacerdotal.
= Com efeito, querer ceder a tais tentações significaria ignorar tudo aquilo que há de mais genuíno e profundo no pensamento contemporâneo.
= Sem dúvida, os problemas filosóficos mais fundamentais encontram-se hoje mais do que nunca no centro das preocupações dos homens contemporâneos, até o ponto de que invadem todos os campos da cultura: a literatura (novelas, ensaios, poesia…), o teatro, o cinema, a rádio-televisão e até a canção; neles são constantemente evocados os temas eternos do pensamento humano: o sentido da vida e da morte; o sentido do bem e do mal; o fundamento dos valores; a dignidade e os direitos da pessoa humana; a confrontação entre as culturas e o patrimônio espiritual delas; o escândalo do sofrimento, da injustiça, da opressão, da violência; a natureza e as leis do amor; a ordem e a desordem da natureza; os problemas que dizem respeito à educação, à autoridade, à liberdade; o sentido da história e do progresso; o mistério do além; e, finalmente, no fundo de todos estes problemas: Deus, a sua existência, o seu caráter pessoal e a sua providência.
b. É evidente que nenhum destes problemas pode achar uma adequada solução ao nível das ciências positivas, naturais ou humanas, porque os métodos específicos delas não oferecem nenhuma possibilidade de afrontá-los de modo satisfatório; tais questões pertencem à esfera específica da filosofia, a qual, transcendendo os aspectos meramente externos e parciais dos fenômenos, volta-se à realidade inteira, buscando de compreendê-la e de explicá-la à luz das causas últimas.
= Assim, a filosofia, apesar de precisar da contribuição das ciências experimentais, apresenta-se como uma ciência distinta das outras, autônoma e maximamente importante para o homem, o qual está interessado não só em registrar, em descrever e em ordenar os diversos fenômenos, mas também, e sobretudo, em compreender o verdadeiro valor e o sentido último deles.
= É claro que qualquer outro conhecimento da realidade não leva as coisas até esse supremo nível da inteligência, prerrogativa característica do espírito humano; enquanto não for dada a resposta a estes interrogantes fundamentais, toda a cultura fica por baixo das capacidades especulativas do nosso intelecto.
= Pode-se dizer, portanto, que a filosofia tem um valor cultural insubstituível: ela constitui a alma da autêntica cultura, dado que coloca as questões sobre o sentido das coisas e da existência humana de modo verdadeiramente adequado às aspirações mais íntimas do homem.
c. Além disso, em muitos casos, nem sequer é possível recorrer exclusivamente à luz da revelação; uma tal atitude de espírito resultaria radicalmente insuficiente pelos motivos seguintes:
= A adesão perfeita do homem à revelação divina não pode ser concebida como um ato de fé cega, como uma atitude fideísta privada de motivações racionais.
# O ato de fé pressupõe, pela sua natureza, “as razões para crer”, “os motivos de credibilidade”, os quais são, em grande parte, de natureza filosófica: o conhecimento de Deus, o conceito de criação, a providência, o discernimento da verdadeira religião revelada, o conhecimento do homem como pessoa livre e responsável; pode-se dizer que cada palavra do Novo Testamento pressupõe formalmente essas noções filosóficas fundamentais.
# O sacerdote, portanto, precisa da filosofia para garantir à sua fé pessoal as bases racionais de valor científico que estejam ao nível da sua cultura intelectual.
= O programa de fides quaerens intellectum não perdeu nada da sua atualidade: a verdade revelada requer sempre a reflexão por parte do crente; ela convida-o ao trabalho de análise, de aprofundamento e de síntese, que se chama de “teologia especulativa”.
# Evidentemente, aqui não se trata de repetir o erro cometido nos séculos passados, quando a especulação teológica foi cultivada de modo às vezes exagerado e unilateral, até chegar a abafar os estudos bíblicos e patrísticos; a respeito, é preciso restituir o primado ao estudo das fontes da revelação assim como ao da transmissão da mensagem evangélica através dos séculos; primado que é indiscutível e que nunca deve ser diminuído; há que condenar, assim mesmo, o emprego abusivo da filosofia no campo que é essencialmente próprio da ciência revelada.
# Mas hoje, uma vez restabelecido o justo equilíbrio e dado que foram realizados progressos enormes nas ciências bíblicas e em todos os setores da teologia positiva, é possível e necessário completar e aperfeiçoar esse trabalho histórico com a reflexão racional sobre os dados revelados.
+ Dispondo já de dados muito mais seguros e mais ricos do que antes, o teólogo especulativo deve submeter a uma crítica inteligente os conceitos e as categorias mentais nos quais se exprime a revelação.
+ Neste delicado trabalho, ele não só deverá servir-se dos descobrimentos realizados pelas ciências naturais e, sobretudo, humanas (psicologia, antropologia, sociologia, lingüística, pedagogia, etc.), mas deverá recorrer também, e especialmente, à ajuda da sã filosofia, para que ela possa dar a sua contribuição de reflexão sobre os pressupostos e sobre as conclusões dos conhecimentos fornecidos pelas disciplinas positivas.
+ Dado que os métodos das ciências positivas (exegese, história, etc.) partem freqüentemente de diversos pressupostos que levam implícitas escolhas filosóficas, uma sã filosofia poderá contribuir notavelmente, entre outras coisas, ao esclarecimento e à avaliação crítica dessas escolhas (hoje especialmente necessária, por exemplo, para o método exegético de Bultmann) sem pretender ter, no entanto, uma função absoluta a respeito dos dados revelados.
# Esta influência recíproca das duas ciências, enraizada já profundamente na natureza mesma delas, é acentuada pela nova situação que se tem criado neste últimos anos na teologia, a qual - querendo se abrir a novas dimensões (histórica, antropológica, existencial, personalista), querendo desenvolver diversos aspectos novos (psicológico, sócio-político, orto-prático, etc.), assim como aprofundar os seus métodos (o problema hermenêutico) - acarreta uma nova problemática que toca às vezes os pressupostos mesmos do conhecimento teológico (por exemplo, a possibilidade das definições dogmáticas de valor permanente) e que requer, portanto, um novo esclarecimento e aprofundamento dos conceitos, como, por exemplo, a verdade, a capacidade e os limites do conhecimento humano, o progresso, a evolução, a natureza humana e a pessoa humana, a lei natural, a imputabilidade das ações morais, etc.
= A filosofia é, finalmente, um terreno insubstituível de encontro e de diálogo entre os crentes e os não crentes; nesse respeito, ela tem um valor pastoral muito evidente; portanto, é absolutamente inadmissível que um sacerdote católico, chamado a exercer o seu ministério no seio duma sociedade pluralista, na qual os problemas filosóficos fundamentais são debatidos em todos os meios de comunicação social e a todos os níveis culturais, seja incapaz duma inteligente troca de pontos de vista com os não cristãos sobre as questões fundamentais que visam estreitamente tanto a sua fé pessoal quanto os problemas mais candentes do mundo.
= É preciso salientar, ademais, que todas as orientações pastorais, as escolhas pedagógicas, as normas jurídicas, as reformas sociais e muitas decisões políticas, comportam pressupostos e conseqüências de ordem filosófica que precisam ser esclarecidos e avaliados criticamente; sem a menor dúvida, uma autêntica filosofia pode contribuir notavelmente à humanização do mundo e da sua cultura, fornecendo uma justa hierarquia de valores tão necessária para uma ação frutuosa.








C. Card. José Freire Falcão, Intervenção na IV Congregação Geral da VIII Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, 1990: Séria formação filosófica nos Seminários.






1. A fé, que no estudo teológico procura a sua inteligência, estará constantemente ameaçada se não estiver baseada em sólidos princípios filosóficos.


a. Sem princípios filosóficos seguros não é possível formar a consciência crítica dos seminaristas, indispensável para enfrentar as inúmeras correntes de pensamento e as ideologias que caracterizam o nosso tempo, e para uma reflexão metódica segura sobre os dados da fé.
b. Todavia, em alguns seminários a filosofia de S. Tomás é substituída pelas ciências sociais, ou por um amálgama de correntes filosóficas sem uma relação clara com a verdade revelada.




2. O Sínodo deve, por isso, insistir na necessidade duma formação filosófica nos Seminários.


a. Vivemos num tempo marcado profundamente pela cultura científico-técnica, e pelo progresso material que deriva do conhecimento e do domínio da natureza por parte do homem.
b. Por esta razão, não pode faltar na formação dos futuros sacerdotes, além dos conhecimentos científicos básicos que hoje toda pessoa culta possui, uma visão global e crítica da cultura científico-técnica contemporânea, das suas conseqüências no modo de sentir, de pensar e de agir do homem contemporâneo, e das implicações éticas que daí derivam.








D. João Paulo II, Pastores dabo vobis (1992), nn. 51-56: O estudo da filosofia na formação dos sacerdotes nas circunstâncias atuais.






1. A formação sacerdotal tem quatro dimensões: humana, espiritual, intelectual e pastoral.




2. A formação intelectual (inteligência da fé)


a. A formação intelectual constitui uma expressão necessária da formação humana e espiritual, possui uma especificidade própria, e configura-se como uma exigência irreprimível da inteligência, pela qual o homem participa da luz da inteligência de Deus, e procura adquirir uma sabedoria que se abre e se orienta para o conhecimento de Deus e para a adesão a ele.
b. Motivações pastorais que demonstram a necessidade da formação intelectual.
= Justificação específica: a natureza própria do ministério ordenado.
# Cada cristão deve estar pronto a defender a fé e a dar razão da esperança que vive em nós (cfr. 1P 3,15).
# Com muita maior razão, os candidatos ao sacerdócio e os presbíteros devem manifestar um diligente cuidado pelo valor da formação intelectual na educação e na atividade pastoral, dado que devem procurar um conhecimento cada vez mais profundo dos mistérios divinos para a salvação dos irmãos.
= Urgência atual: o desafio da “nova evangelização” à qual o Senhor chama a Igreja no limiar do terceiro milênio.
= Premência dum nível excelente: dada a situação atual, profundamente marcada pela indiferença religiosa, por uma difusa desconfiança no que diz respeito às capacidades reais da razão para atingir a verdade objetiva e universal, e pelas questões e problemas inéditos provocados pelas descobertas científicas e tecnológicas, é necessário tornar os sacerdotes capazes de anunciar o imutável Evangelho de Cristo precisamente num tal contexto, e de torná-lo digno de credibilidade diante das legítimas exigências da razão humana.
= “Necessidade da maior seriedade possível”: dado o atual fenômeno do pluralismo bem acentuado no âmbito da sociedade humana, e no da própria comunidade eclesial, é preciso que os futuros sacerdotes adquiram uma especial atitude de discernimento crítico.
c. A formação intelectual é dimensão essencial da formação sacerdotal; provas:
= A formação sacerdotal é um processo educativo unitário com quatro dimensões (humana-espiritual-intelectual-pastoral).
= As quatro motivações acima expostas acerca da necessidade da formação “intelectual” são de caráter “pastoral”.
= A obrigação do estudo preenche uma grande parte da vida de quem se prepara para o sacerdócio.
= A obrigação do estudo não constitui um componente exterior e secundário do crescimento humano-cristão-espiritual-vocacional: por meio do estudo (particularmente da teologia) o futuro sacerdote adere à Palavra de Deus, cresce na vida espiritual, e dispõe-se a desempenhar o seu ministério pastoral.
= O objetivo unitário e multifacetado da formação intelectual preconizado pelo Concílio.
# A formação intelectual deve ser pastoralmente eficaz.
# Para isso, deve ser integrada num caminho espiritual marcado pela experiência pessoal de Deus, de modo a poder superar uma pura ciência conceptual e chegar àquela inteligência do coração que primeiro sabe “ver” o mistério de Deus, e depois é capaz de comunicá-lo aos irmãos.




2. O estudo da Filosofia


a. É um momento essencial da formação intelectual.
b. Leva a uma compreensão e interpretação mais profunda da pessoa, da sua liberdade, e das suas relações com o mundo e com Deus.
c. A filosofia é de grande importância.
= Pelo nexo que existe entre os argumentos filosóficos e os mistérios da salvação estudados em teologia à luz superior da fé.
= Pela atual situação cultural bastante generalizada que exalta o subjetivismo como critério e como medida da verdade.
# Os candidatos ao sacerdócio devem desenvolver uma consciência reflexiva da relação constitutiva existente entre o espírito humano e a verdade que se nos revela plenamente em Jesus Cristo.
# Somente uma sã filosofia pode ajudá-los a desenvolver essa consciência reflexiva.
= Para garantir a “certeza da verdade” que é a única que pode estar na base da entrega pessoal a Jesus Cristo e à Igreja.
# À questão nada abstrata da própria verdade se encontram ligadas algumas questões muito concretas: a identidade do sacerdote e o seu compromisso apostólico e missionário.
# Se não se está certo da verdade, não é possível pôr em jogo a própria vida inteira e ter força para interpelar a sério a vida dos outros.
d. A filosofia ajuda a enriquecer a formação intelectual com o culto à verdade.
= O culto à verdade é uma espécie de “veneração amorosa pela verdade”.
= Ele leva a reconhecer que a verdade não é criada à medida do homem, mas que é confiada ao homem como dom da Verdade suprema (=Deus).
# A razão humana, mesmo com limites e por vezes com dificuldade, pode atingir a verdade objetiva e universal, inclusive aquela que diz respeito a Deus e ao sentido radical da existência.
# A fé não pode prescindir da razão e do afã de “pensar” os seus conteúdos, como testemunhava a grande mente de S. Agostinho: “Desejei ver com inteligência o que acreditei, e muito tive que discutir e esforçar-me”.




3. As chamadas “ciências do homem”


a. São: sociologia; psicologia; pedagogia; ciência da economia e da política; ciência da comunicação social.
b. Pertencem ao âmbito bem preciso das ciências positivas ou descritivas.
c. Podem ser de grande utilidade para uma compreensão mais profunda do homem e das linhas evolutivas da sociedade, em ordem ao exercício o mais “encarnado” possível do ministério pastoral.
d. Ajudam o futuro sacerdote a prolongar a “contemporaneidade” vivida por Cristo, à qual referia-se Paulo VI: “Cristo fez-se contemporâneo a alguns homens e falou a linguagem deles; a fidelidade ao mesmo Cristo exige que esta contemporaneidade continue”.








E. João Paulo II, Fides et ratio (1998)






1. Síntese geral


a. A filosofia tem o seu valor próprio no que diz respeito à inteligência da fé.
b. A filosofia encontra graves limites quando esquece ou rejeita as verdades da Revelação.
c. A fé e a filosofia exercem uma função mútua tanto de avaliação crítica e purificadora quanto de estímulo a progredir na busca e no aprofundamento.
d. Para o bem e para o progresso do pensamento, a filosofia e a teologia têm o dever de recuperar a sua genuína relação mútua.




2. Síntese por capítulos


a. Primeiro capítulo: a Revelação da Sabedoria de Deus.
= A verdade que a Revelação nos faz conhecer não é o fruto maduro ou o ponto culminante dum pensamento elaborado pela razão, mas é um dom gratuito de Deus acolhido pela fé.
= Há uma dupla ordem de conhecimento: o da fé, apoiado no testemunho de Deus e garantido pela ajuda sobrenatural da graça, e o da filosofia, apoiado na experiência dos sentidos e garantido pela luz do intelecto.
= A Revelação de Deus, que se cumpre em Cristo, insere-se no tempo e na história; a história torna-se, portanto, o lugar em que podemos constatar o agir salvífico de Deus.
= A Revelação oferece ao homem a verdade última sobre a sua própria vida e sobre o seu destino na história; fora desta perspectiva, o mistério da existência pessoal do homem é um enigma insolúvel; aceitando, com um ato livre de fé, a Revelação, o homem chega a compreender o mistério da sua existência.
b. Segundo capítulo: creio para entender.
= Entre o conhecimento da fé e o conhecimento da razão há uma profunda ligação; se a razão e a fé são separadas, o homem não pode conhecer de modo adequado a si mesmo, o mundo e Deus.
= O homem, lendo com a sua razão o maravilhoso livro da natureza, pode chegar ao conhecimento do Deus Criador; há, portanto, no homem, uma capacidade metafísica!
= Tudo aquilo que a razão atinge, adquire pleno significado somente se é posto no horizonte da fé.
# A razão, e portanto a filosofia, deve reconhecer o seu limite, representado pelo mistério da Cruz, ponto chave que desafia qualquer filosofia; aqui toda tentativa de reduzir o plano salvífico do Pai a pura lógica humana é destinada ao fracasso.
# A razão não pode esvaziar o mistério de amor que a Cruz faz presente; a Cruz, pelo contrário, dá à razão a resposta última que busca: o critério de verdade e de salvação não é “a sabedoria das palavras” mas “a Palavra da Sabedoria” (cfr. 1 Cor 1,17-2,16).
# A filosofia é desafiada a acolher, na loucura da Cruz, a genuína crítica a todos aqueles que se iludem de possuir a verdade, encalhando-a nos bancos de areia dos sistemas deles.
# A relação entre fé e filosofia encontra na pregação de Cristo crucificado e ressuscitado o escolho contra o qual pode naufragar, mas além do qual pode desembocar no oceano da verdade; aqui se evidencia o confim entre a razão e a fé, mas também o espaço em que ambos podem se encontrar.
c. Terceiro capítulo: entendo para crer.
= O homem está perenemente em busca da verdade, não tanto das verdades parciais quanto da verdade total, quer dizer, do sentido da vida e da morte; tanto é assim, que ele pode ser definido como “aquele que busca a verdade”; uma busca tão profundamente enraizada na natureza humana não pode ser totalmente inútil e vã.
= Mas uma busca do sentido da vida e da morte não pode ter sucesso a não ser no absoluto; a fé cristã vem ao encontro do homem oferecendo-lhe a possibilidade concreta de ver realizado o escopo desta busca; assim, a fé e a razão conduzem à verdade na sua plenitude.
d. Quarto capítulo: a relação entre a fé e a razão
= Os Padres acolheram plenamente a razão aberta ao absoluto e nela inseriram a riqueza proveniente da Revelação.
= A filosofia escolástica confirmou a harmonia do conhecimento filosófico e do conhecimento da fé.
# A fé pede que o seu objeto seja compreendido com a ajuda da razão.
# A razão, no cume da sua busca, admite como necessário aquilo que a fé apresenta.
= S. Tomás de Aquino atingiu o ponto mais alto da harmonia entre fé e razão.
# A natureza, objeto da filosofia, pode contribuir à compreensão da Revelação.
# A fé não teme a razão, mas busca-a e confia nela.
# A fé supõe e aperfeiçoa a razão, assim como a graça supõe e leva a cumprimento a natureza.
# A razão, iluminada pela fé, é libertada da fragilidade e dos limites que derivam do pecado e acha a força para elevar-se ao conhecimento do mistério de Deus Uno e Trino.
= A partir da Baixa Idade Média, a distinção entre fé e razão transformou-se progressivamente em nefasta separação; desse modo chegou-se a uma filosofia separada e absolutamente autônoma a respeito dos conteúdos da fé, e a um conhecimento racional alternativo à fé.
= Na pesquisa científica foi-se impondo uma mentalidade positivista que se afasta de qualquer referência à visão cristã do mundo e que rejeita qualquer apelo à visão metafísica e moral.
= Como conseqüência da crise do racionalismo, tem tomado corpo, finalmente, o niilismo.
= O resultado disso tudo tem sido o empobrecimento da razão e da fé:
# A razão, privada da contribuição da Revelação, percorre sendeiros laterais arriscando de perder de vista a sua meta final.
# A fé, privada da razão, salienta o sentimento e a experiência, correndo o risco de deixar de ser uma proposta universal.
e. Quinto capítulo: as intervenções do Magistério em matéria filosófica
= Perante as desvios do pensamento filosófico, o Magistério da Igreja tem intervindo várias vezes, não para propor uma filosofia própria ou para canonizar alguma filosofia em especial, mas para reagir de modo claro e firme quando teses filosóficas falsas ou discutíveis semeiam graves erros ameaçando a reta compreensão do dado revelado e confundindo a fé do povo de Deus.
= O Magistério eclesiástico deve:
# Exercer com autoridade o seu discernimento crítico perante as filosofias que chocam contra a doutrina cristã.
# Indicar quais pressupostos e conclusões filosóficas são incompatíveis com a fé.
= Fazendo assim, a Igreja quer provocar, promover e encorajar o pensamento filosófico, para que não feche de antemão a estrada que conduz ao reconhecimento do mistério.
= Por isso a Igreja tem censurado:
# O fideísmo e o tradicionalismo radical, pela desconfiança deles nas capacidades naturais da razão.
# O racionalismo e o ontologismo, porque atribuem à razão natural aquilo que é conhecível somente à luz da fé.
= O Concílio Vaticano I mostrou que a razão e a fé são, ao mesmo tempo, inseparáveis e irreduzíveis.
= Hoje a Igreja deve:
# Combater a radical desconfiança na razão por parte daqueles que falam do fim da metafísica.
# Denunciar o neofideísmo teológico que não reconhece a importância do conhecimento racional e da sabedoria filosófica para a inteligência da fé, que reserva pouca consideração à teologia especulativa e que despreza a filosofia clássica, cujos termos têm sido empregados pela inteligência da fé e pelas formulações dogmáticas.
# Combater o biblicismo que tende a fazer da leitura e da exegese da Sagrada Escritura o único ponto de referência verdadeiro, esquecendo a regra suprema da própria fé que provém à Igreja da unidade Tradição-Escritura-Magistério.
# Frisar o seu grande interesse pela filosofia e comprometer-se na genuína renovação dela, indicando alguns percursos concretos a seguir.
# Frisar que o estudo da filosofia reveste um caráter ineliminável na estrutura dos estudos teológicos e na formação dos sacerdotes, os quais, na vida pastoral, deverão confrontar-se com as instâncias do mundo contemporâneo e captar as causas dalguns comportamentos dele, para dar uma pronta resposta a elas.
f. Sexto capítulo: interação entre teologia e filosofia
= A teologia deve entrar em relação com as filosofias elaboradas no curso da história.
# Para uma reta compreensão da Bíblia e da tradição eclesial, expressada em formas de pensamento de determinadas tradições filosóficas, o teólogo deve conhecer estas tradições filosóficas.
# Sem a contribuição da filosofia, o teólogo não pode esclarecer a linguagem sobre Deus, as relações trinitárias, a ação criadora de Deus, a relação entre Deus e o homem, a identidade de Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
# O teólogo moral deve necessariamente recorrer a conceitos de ética filosófica como: lei moral, consciência, liberdade, responsabilidade, culpa.
= O problema da inculturação.
# A Igreja, entrando em contato com as culturas, não pode deixar às costas aquilo que adquiriu pela inculturação no pensamento grego-latino; rejeitar tal herança seria ir contra o desígnio providencial de Deus, que conduz a Igreja ao longo das estradas do tempo e da história.
# A Igreja de cada época sentir-se-á enriquecida pelas adquisições na aproximação atual às culturas orientais e achará assim novas indicações para dialogar frutuosamente com as culturas do amanhã.
= Entre a teologia e a filosofia deve instaurar-se uma relação de circularidade:
# Para uma melhor compreensão da Palavra, a teologia deve ajudar-se da filosofia.
# A filosofia sai enriquecida do encontro com a Palavra de Deus porque descobre horizontes insuspeitáveis.
# A fecundidade desta relação de circularidade tem sido demonstrada:
+ Tantos teólogos cristãos destacaram-se como grandes filósofos.
+ Os filósofos que fizeram filosofia em união vital com a fé, descobriram verdades que, apesar de serem naturalmente acessíveis à razão, talvez nunca teriam descoberto sem a contribuição da Revelação.
+ Sem a influência estimulante da Palavra de Deus, boa parte da filosofia moderna e contemporânea não existiria.
# A teologia precisa da filosofia, porque a fé se não é pensada não é nada (Sto. Agostinho); a filosofia precisa da Revelação para não perder-se no erro e para ampliar os seus horizontes.
= É desejável que teólogos e filósofos se deixem guiar pela única autoridade da verdade, de modo que seja elaborada uma filosofia em consonância com a Palavra de Deus, que será o terreno de encontro entre as culturas e a fé cristã, o lugar de entendimento entre crentes e não crentes.
g. Sétimo capítulo: exigências e tarefas atuais
= A filosofia deve reencontrar a sua dimensão sapiencial de busca do sentido último e global da vida.
# Não pode ser nem radicalmente fenomenista nem relativista.
# Deve ter alcance autenticamente metafísico, capaz de transcender os dados empíricos, para chegar a algo absoluto, último e fundante.
= A metafísica é mediação privilegiada na pesquisa teológica; daqui o perigo que representam para a fé cristã teorias filosóficas como o historicismo, o cientificismo, o pragmatismo e o niilismo.

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PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).

REFERÊNCIA:

www.enfermeiracarolinabarreto.blogspot.com

quarta-feira, 15 de junho de 2011

TEXTO 79 - EPISTEMOLOGIA.

A Epistemologia
A. C. Grayling

Birkbeck College, Londres

St Anne’s College, Oxford

Introdução

A epistemologia, também chamada teoria do conhecimento, é o ramo fa filosofia interessado na investigação da natureza, fontes e validade do conhecimento. Entre as questões principais que ela tenta responder estão as seguintes. O que é o conhecimento? Como nós o alcançamos? Podemos conseguir meios para defendê-lo contra o desafio cético? Essas questões são, implicitamente, tão velhas quanto a filosofia, embora seu primeiro tratamento explícito seja o encontrado em Platão (427-347 AC), em particular no Theaetetus. Mas primordialmente na era moderna, a partir do século XVII em diante - como resultado do trabalho de Descartes (1596-1650) e Locke (1632-1704) em associação com a emergência da ciência moderna - que a epistemologia tem ocupado um plano central na filosofia.

Um passo óbvio na direção de responder a primeira questão é tentar uma definição. A definição padrão, preliminarmente, é a de que o conhecimento é crença verdadeira justificada. Esta definição parece plausível porque, ao menos, ele dá a impressão de que para conhecer algo alguém deve acreditar nele, que a crença deve ser verdadeira, e que a razão de alguém para acreditar deve ser satisfatória à luz de algum critério - pois alguém não poderia dizer conhecer algo se sua razão para acreditar fosse arbitrária ou aleatória. Assim, cada uma das três partes da definição parece expressar uma condição necessária para o conhecimento, e a reivindicação é a de que, tomadas em conjunto, elas são suficientes.

Há, contudo, dificuldades sérias com essa idéia, particularmente sobre a natureza da justificação requerida para a crença verdadeira eqüivaler a conhecimento. Propostas competidoras tem sido oferecidas para acolher as dificuldades, ou para acrescentar mais condições ou para achar um enunciado melhor para a definição posta. A primeira parte da discussão que se segue considera essas propostas.

Paralelamente a esse debate sobre como definir o conhecimento há um outro sobre como o conhecimento é adquirido. Na história da epistemologia tivemos duas principais escolas de pensamento sobre o que constitui o meio mais importante para o conhecer. Uma é a escola "racionalista", que mantém que a razão é responsável por esse papel. A outra é a "empirista", que mantém que é a experiência, principalmente o uso dos sentidos, ajudados, quando necessário, por instrumentos, que é responsável por tal papel.

O paradigma de conhecimento para os racionalistas é a matemática e a lógica, onde verdades necessárias são obtidas por intuição e inferência racionais. Questões sobre a natureza da razão, a justificação da inferência e a natureza da verdade, especialmente da verdade necessária, pressionam para serem respondidas.

O paradigma dos empiristas é a ciência natural, onde observações e experimentos são cruciais para a investigação. A história da ciência na era moderna dá sustentação à causa do empirismo; mas precisamente para esta razão, questões filosóficas sobre percepção, observação, evidência e experimento tem adquirido grande importância.

Mas para ambas tradições em epistemologia o interesse central é se podemos confiar nas rotas que elas respectivamente denominam. Os argumentos céticos sugerem que não podemos simplesmente assumi-las como confiáveis; certamente, elas sugerem que trabalho é necessário para mostrar que elas são confiáveis. O esforço para responder ao ceticismo, portanto, fornece um modo distinto de entender o que é crucial em epistemologia. A segunda parte está concentrada na análise do ceticismo e algumas respostas a ele.

Há outros debates em epistemologia sobre, entre outras coisas, memória, julgamento, introspecção, raciocínio, distinção "a priori- a posteriori", método científico e diferenças metodológicas, diferenças metodológicas, se há, entre ciências da natureza e ciências sociais; as questões consideradas aqui são básicas para todos esses debates.

Conhecimento

Definição de Conhecimento

Há diferentes modos pelos quais alguém poderia ser indicado como tendo conhecimento. Alguém pode conhecer pessoas ou lugares, no sentido de estar familiarizado com eles. Isso é o que se quer dizer quando alguém fala "Meu pai conhecia Lloyd George". Aguém pode conhecer como fazer algo, no sentido de possuir uma habilidade ou destreza. Isso é o que se quer dizer quando alguém fala "Eu sei jogar xadrez". E alguém pode saber que é algo é o caso quando alguém fala "Eu sei que o Everest é montanha mais alta". Este último modo é às vezes chamado de "conhecimento proposicional", e é a espécie que os epistemólogos mais desejam entender.

A definição de conhecimento já mencionada - conhecimento é crença verdadeira justificada - é entendida como uma análise do conhecimento no sentido proposicional. A definição é obtida perguntando que condições tem de ser satisfeitas quando queremos descrever alguém como conhecendo algo. Ao dar a definição enunciamos o que esperamos que sejam as condições necessárias e suficientes para a verdade da afirmação "S sabe que p", onde "S" é o sujeito epistêmico - o suposto conhecedor - e "p" a proposição.

A definição sustenta um ar de plausibilidade, ao menos quanto aplicada ao conhecimento empírico, porque parece encontrar o mínimo que pode ser esperado como necessário a partir de um conceito conseqüente. Parece correto esperar que se S sabe que p, então p deve, ao menos, ser verdadeira. Parece certo esperar que S deve não meramente supor ou esperar que p é o caso, mas que deve ter um atitude epistêmica positiva em relação a p: S deve acreditar que ela é verdadeira. E se S acredita em alguma proposição verdadeira enquanto ela não tem nenhum fundamento, ou fundamentos incorretos, ou meramente fundamentos arbitrários ou imaginários, não diríamos que S conhece p; querendo dizer que S deve ter bases para acreditar que p em algum sentido propriamente justificado de assim proceder.

Dessas condições propostas para o conhecimento, é a terceira que dá mais problema. A razão é simplesmente ilustrada com contra-exemplos. Esses toma a forma de casos em que S acredita em uma proposição verdadeira para o que são de fato razões erradas, embora elas são a partir dele próprio um ponto de vista persuasivo. Por exemplo, suponha que S tenha dois amigos, T e U. O último está viajando, mas S não tem idéia de onde ele está. Como para S, T disse estar comprado um carro e após dirigir um Rolls Royce, portanto acredita-se que ele é o dono de um. Agora, a partir de qualquer proposição p alguém pode validamente inferir a disjunção "p ou q". Assim, S tem fundamentos para acreditar que "T é proprietário de um Rolls Royce ou U está em paris", mesmo embora, ex hypothesi, ele não tenha idéia da localização de U. Mas suponha que T de fato não tem seu próprio Rolls Royce - ele o comprou para uma outra pessoa, e ele dirigiu uma parte para ela. Além disso, a suposição posterior é fato, que U está, por ocasião, em Paris. Então S acredita, com justificação, uma proposição verdadeira: mas não deveríamos querer chamar sua crença de conhecimento.

Exemplos como este são artificiais, mas eles cumprem sua função; eles mostram que é necessário ser dito mais sobre justificação antes de afirmarmos tem um relato adequado de conhecimento.

Justificação

Preliminarmente, uma questão é sobre se tendo justificações para acreditar que algum p implica a verdade de p, pois, se assim é, contra-exemplo do tipo mencionado nesse momento nada alcança e não precisamos persebuir modos de bloqueá-los. Há certamente uma perspectiva, chamada "infalibiismo", que oferece exatamente um tal recurso. Ela estabelece que se é verdadeiro que S conhece p, então S não pode esta enganado em acreditar em p, e portanto sua justificação para acreditar em p garante sua verdade. A afirmação é, em resumo, que alguém não pode estar justificado na crença de uma proposição falsa.

Essa perspectiva é rejeitada pelos "falibilistas", cuja afirmação é a de que alguém pode de fato ter uma justificação para acreditar em algum p embora ele seja falso. Sua consideração para o infalibilismo volta-se sobre a identificação de um engano em no seu argumento sustentado . O engano é que apesar de que a verdade de "S sabe que p" certamente nega a possibilidade de que S está em erro, isto está bem distante de dizer que S está situado de tal modo que ele não pode, possivelmente, estar errado sobre p. É correto dizer: (1) "é impossível para S estar errado sobre p se ele conhece p", mas não é invariavelmente certo dizer (2) "se S conhece p, então é impossível para ele estar errado sobre p". O engano está em pensar que a leitura correta de amplo escopo (1) de "é impossível" autoriza a leitura de escopo estreito (2) que constitui o infalibilismo.

Um infalibilista conta que fazer a definição de conhecimento parece simples: S sabe que p se sua crença em p é justificada infalivelmente. Mas essa definição produz uma noção de conhecimento também restrita, pois ela diz que S pode justificar sua crença em p somente quanto a possibilidade da falsidade de p estiver excluída. Embora pareça ser um lugar comum da experiência epistêmica que alguém pode ter a melhor evidência ao acreditar em algo e ainda assim estar errado (como a abordagem do ceticismo dada adiante lamenta mostrar), que é dizer que o falibilismo parece somente explicar a justificação adequada aos fatos da vida epistêmica. Precisamos, portanto, ver se as teorias falibilistas de justificação podem nos dar uma abordagem adequada do conhecimento.

O problema da abordagem falibilista é precisamente é o exemplo ilustrado pelo exemplo do Rolls Royce e outros similares (os assim chamados exemplos de Gettier, introduzidos pro Gettier, 1963), a saber, que a justificação de alguém para acreditar que p não conecta com a verdade de p de um modo correto, e talvez absolutamente de modo algum. O que é preciso é um quadro claro de "crença justificada". Se alguém pode identificar o que justifica uma crença, alguém tem tudo para dizer, ou a maior parte, o que é justificação; e nessa trilha esse alguém terá mostrado a conexão correta entre justificação, de um lado, e crença e verdade, de outro. Em relação a essa conexão há vários tipos padrões de teorias.

Fundacionismo

Uma classe das teorias de justificação emprega a metáfora de uma edifício. A maioria de nossas crenças ordinárias requer sustentação de outras; temos de justificar uma dada crença apelando para outras e mais outras sobre as quais ela se baseia. Mas se a cadeia de crenças justificadas fosse regressiva sem um fim em uma crença que fosse de algum modo independentemente segura, portanto fornecendo um fundamento para as outras, pareceria faltar justificação para alguma crença na cadeia. Parece necessário, portanto, que deveria crenças que não necessitassem de justificação, ou que são de algum modo auto-justificadas, para servir a base epistêmica.

Nessa perspectiva uma crença justificada é uma que sustentada por tal crença básica ou é ela própria uma crença fundacional. Os próximos passos, portanto, são os de tornar claro a noção de um "fundamento" e explicar como crenças fundacionais "sustentam" aquelas não-fundacionais. É necessário algum modo de entender o fundacionismo sem metáforas de construção.

Não é suficiente apenas enunciar que uma crença fundacional é uma crença que não requer nenhuma justificação, pois deve haver uma razão do porquê este é o caso. O que torna uma crença independente ou auto-instituída do modo requerido? É padronizadamente afirmado que tais crenças justificam-se por si mesmas, ou são auto-evidentes, ou são irrevogáveis ou incorrigíveis. Essas coisas não são as mesmas. Um crença poderia ser auto-justificada sem ser auto-evidente (poderia dar bom trabalho ver que ele se justifica por si mesma). Ser irrevogável quer dizer, crê-se, que nenhuma evidência a mais, concorrente, pode render uma dada crença insegura. Embora isso seja uma propriedade que a crença poderia ter independentemente de se ela fosse ou não auto-justificada. E assim por diante. Mas o que é que essas caracterizações estão prentendendo apontar é para a idéia de que uma certa imunidade à dúvida, erro ou revisão anexa-se às crenças em questão.

Poderia, mesmo, ser desnecessário ou enganoso pensar que é crença que fornece a fundação para o edifício do conhecimento: alguma outra declaração poderia assim fazer. Enunciados perceptuais tem sido oferecidos como candidatos, porque eles parecem ser adequadamente incorrigíveis - se alguém vê uma mancha vermelha, diz-se, então alguém não pode estar errado de que vê uma mancha vermelha. E parece plausível dizer que a crença de alguém de que p não necessita mais nenhuma justificação ou fundamento do que coisas que aparecem a esse alguém como p as descrevem enquanto o que são.

Essas sugestões ficam incômodas com as dificuldades que lhes aparecem. Exemplos de auto-evidência ou auto-justificação de crenças tendem a ser tirados da lógica e da matemática - eles são da variedade de "x é x" ou "um mais um é igual a dois", sobre os quais os críticos são rápidos em apontar a pouca ajuda que tem para falarmos sobre a bases de crenças contingentes. Enunciados de percepção, da mesma forma, revelam-se como candidatos pouco plausíveis para serem fundamentos, basear-se na percepção envolve a aplicação de crenças que elas mesmas enunciam como necessitando de justificação - entre essas crenças há aquelas sobre a natureza das coisas e as leis que elas obedecem. O que é mais fortemente contestado é o "mito do dado", a idéia de que há data firme, original ou primitivo, com o qual a experiência supri nossas mentes, antecedentemente a qualquer julgamento, puro, fornecendo os recursos necessários para assegurar o resto de nossas crenças.

Há uma dificuldade, também, sobre como a justificação é transmitida a partir da crença fundamental para as crenças dependentes. É bastante forte a afirmação que diz que as últimas são deduzidas delas. A maioria, senão todas, as crenças contingentes não são demandadas pelas crenças que as sustentam; a evidência que eu tenho de que eu não estou sentado em minha escrivaninha é sobre quão forte quão empírica a evidência pode ser, embora, dadas as considerações do cético (tais como, por exemplo, a possibilidade de que eu estou agora sonhando), isso não implica que eu esteja sentado aqui.

Se a relação não é uma relação dedutiva, o que é então? Outros candidatos - indutivo ou criterial - são, por natureza, dispensáveis, e portanto, senão suplementados de alguma maneira, insuficientes para a tarefa de transmitir justificação dos fundamentos para outras crenças. A suplementação teria de consistir de garantias que as circunstâncias que causam a destruição da justificação não-dedutiva de fato não obtém. Mas se tais garantias - entendidas, para evitar a circularidade, como não fazendo parte da suposta fundação de si mesmas - estivessem disponíveis para proteger bases não dedutivas, então apelar para uma noção de fundamentação pareceria simplesmente algo fútil.

Coerência

A não satisfação com o fundacionismo tem conduzido alguns epistemólogos a preferir dizer que uma crença está justificada se ela é coerente com aquelas já aceitas em um conjunto. A tarefa imediata é especificar o que é a coerência, e encontrar um modo de tratamento não circular do problema de como as crenças já aceitas vieram a ser aceitas.

As dificuldades dessa tarefa vem de um bom número de questões. A coerência é um critério negativo (isto é, uma crença a qual falta justificação se ela falha na adequação coerente a um conjunto) ou um critério positivo (isto é, uma crença é justificada quando ela se adequa coerentemente com o conjunto)? E ela deve ser entendida de modo forte (pela qual coerência é suficiente para a justificação) ou fraco (pela qual coerência é uma entre outras características da justificação)?

O conceito de coerência tem sua base teórica na noção de sistema, entendido como uma conjunto cujos elementos estão em relações mútuas tanto em consistência quanto de (algum tipo de) interdependência. A consistência é, obviamente, uma requerimento mínimo, diz-se. A dependência é mais difícil de se especificar sua adequação. Seria muito - pois daria vazão para uma afirmação redundante - requisitar que a dependência signifique implicação mútua entre crenças (isto é o que alguns tem requisitado, citando a geometria como exemplo). Uma noção mais difusa é aquela que diz que um conjunto de crenças é coerente se de qualquer uma delas segue-se todo o resto, e se nenhum subconjunto delas é logicamente independente do restante. Mas isso é vago, e de qualquer modo parece requerer que o conjunto seja conhecido como completo antes de alguém poder julgar se uma dada crença é coerente com ele.

Um remédio poder ser dizer que uma crença é coerente com um conjunto antecedente se ela pode ser inferida dele, ou a partir de algum subconjunto significante dentro dele, como sendo a melhor explanação no caso. Este alguém poderia objetar que nem todas as justificações tomam a forma de explanações. Uma alternativa poderia ser dizer que uma crença é justificada se sobrevive à comparação com competidoras no trabalho de se fazer aceita em uma conjunto antecedente. Mas aqui quem quisesse objetar poderia perguntar como isso pode ser suficiente, uma vez que por si mesmo ela não mostra porque ela tem melhores méritos do que suas rivais, as igualmente coerentes, na aceitação. Certamente, qualquer teoria da justificação tem de assegurar a maior quantia de crenças candidatas, assim, não há nada que distintivamente sustente a teoria da coerência. E esses pensamentos conduzem a uma questão não examinada do "conjunto antecedente" e sua justificação, que não pode ser uma questão de coerência, pois com o que ele seria, por sua vez, coerente?

Internalismo a externalismo

Ambos, o fundacionismo e a teoria da coerência, são algumas vezes descritos coo "internalistas" porque descrevem a justificação como consistindo em relações internas entre crenças, ou - como no primeiro caso - a partir de uma relação vertical de suporte entre crenças supostamente básicas e outras que dependem destas, ou - como no segundo caso - a partir de suporte mútuo de crenças em um sistema entendido apropriadamente.

Caracterizada de modo geral, as teorias internalistas afirmam ou assumem que uma crença não pode ser justificada para uma sujeito epistêmico S a menos que S tenha acesso ao que provê a justificação, ou de fato ou por princípio. Essas teorias geralmente envolvem o requerimento "de fato" no sentido mais forte porque ser a justificativa de S de acreditar que p é algo resgatado, de forma padrão, nos termos de suas razões assumidas para tomar p como verdadeiro, onde razão assumida é entendido no sentido corrente (no sentido de "ter razão").

Aqui, uma objeção se coloca por si mesma. Qualquer S tem somente acesso finito a o que poderia justificar ou solapar suas crenças, e esse acesso está confinado ao seu ponto de vista particular. Parece que a justificação completa para suas crenças raramente estaria disponíveis, porque sua experiência seria restrita ao que é próximo, em tempo e espaço, e ele estaria designado a manter somente aquelas crenças que sua experiência limitada licenciou.

Uma objeção conectada é a de que o internalismo mostra-se inconsistente com o fato de que muitos pessoas parecem ter conhecimento a despeito dele não ser suficientemente sofisticado para reconhecer que tal-e-qual é uma razão para acreditar que p - este é o caso, por exemplo, com crianças.

Uma objeção mais geral, ainda, é que as relações entre crenças, se do tipo daquelas do fundacionismo ou da teoria da coerência, poderiam ser obtidas sem que as crenças em questão fossem tomadas como verdadeiras de algo para além delas próprias. Alguém poderia imaginar um conto, claramente verdadeiro, diga-se, que em nenhum momento corresponde a alguma realidade externa, mas que tem suas crenças justificadas, todavia, por suas relações mútuas.

Essa reflexão nada fácil induz o pensamento de que deveria haver uma restrição em relação às teorias de justificação, na forma de uma demanda de que deveria haver alguma conexão ajustável entre posse de uma crença e fatores externos - isto é, algo mais do que as crenças e suas relações mútuas - que determinam seu valor epistêmico. Isso concordamente motiva a idéia de uma alternativa externalista.

Credibilidade, causalidade e busca da verdade

O externalismo é a perspectiva de que o que torna S justificado ao acreditar que p poderia não ser algo ao qual S tem acesso cognitivo. Poderia ser que os fatos no mundo são como S crê que sejam, e isso certamente é a causa que fez S acreditar neles assim como são, pelo estímulo de seus receptores sensórios, de um modo correto. S não precisou estar consciente de que isso é a maneira como suas crenças são formadas. Assim, S poderia estar justificado ao acreditar que p, sem mais.

A principal espécie de teoria externalista é a da credibilidade; a sua tese - ou grupo de teses - é a de que uma crença é justificada se ela está, em confiança, com crédito, conectada com a verdade. De acordo com uma variante influente, a conexão em questão é suprida pela confiabilidade de processos de formação de crenças, umas tem, então, alto êxito diante da avaliação que mensura a produção de crenças verdadeiras. Um exemplo de um processo no qual esta envolvida a confiança (credibilidade) poderia ser a percepção normal em condições normais.

São bem plausíveis as teorias baseadas noção de uma ligação externa, especialmente a ligação causal, entre uma crença e o que é que ela tem de conteúdo. Um exemplo de uma tal teoria é a abordagem de Alvin Goldman (1986) do conhecimento como "crença verdadeira causada apropriadamente", onde "causação apropriada" assume um número variado de formas, todas compartilhando a seguinte propriedade: elas são processos que são tanto confiáveis "localmente" quanto "globalmente" - o primeiro significa que o processo tem alto êxito diante da avaliação que diz sobre a produção de crenças verdadeiras, o último significa que o processo não teria produzido a crença em questão em "alguma situação contrafactual relevante" onde a crença é falsa. A perspectiva de Goldman é concordantemente um paradigma de uma teoria de confiabilidade ou credibilidade.

Um elegante primo de segundo grau dessa perspectiva é aquela oferecida por Robert Nozick (Nozick, 1981). Às condições



p é verdadeira





e

S acredita em p





Nozick acrescenta

se p não fosse verdadeira, S não acreditaria em p





e

se p fosse verdadeira, S acreditaria nela.
As condições (3) e (4) tem a intenção de bloquear os contra-exemplos do tipo de Guttier para crença verdadeira justificada anexando firmemente a crença de S de que p à verdade de p. A crença de S de que p está conectada ao mundo (a situação descrita por p) pela relação que Nozick chama de "encalço" (tracking): a crença de S está no encalço da verdade de que p. Ele acrescenta refinamentos, numa tentativa de desviar dos contra-exemplos que os filósofos, sempre engenhosamente, vivem inventando.
Se essas teorias parecem plausíveis é porque elas estão de acordo com nossas perspectivas pré teóricas. Mas como se pode ver, realmente há muito que se pode objetar contra elas, e uma copiosa literatura sobre isso assim faz. O mais sério defeito dessas teorias, contudo, é que elas são da ordem de questões de princípio. Elas não vão na questão de como S está confiante de que uma dada crença é justificada; em vez disso, buscam socorro em duas assunções altamente realistas, uma sobre a extensão do domínio de alcance das crenças e outro sobre como o domínio e S estão conectados; assim é que podem afirmar que S está justificado ao acreditar que p mesmo se o que o justifica repousa fora de sua própria competência epistêmica. Seja lá o que for mais que alguém pense sobre essas sugestões, elas não elucidam S, e portanto não comprometem o mesmo problema a que se dirigem a teorias internalistas.

Mas o pior de tudo - uma crítica astera assim poderia dizer - as amplas assunções às quais essas teorias recorrem são precisamene aquelas que a epistemologia deveria examinar. Teorias externalistas e causais, de qualquer modo e em qualquer combinação, são melhor desenvolvidas pela psicologia empírica, onde se dá, franca e assumidamente, um desconto para com as assunções padrões sobre o mundo externo e suas conexões com S. A filosofia, com certeza, é onde tais premissas, elas próprias, são investigadas.

Conhecimento, crença e, novamente, justificação

Considere o argumento: "Se alguém conhece algum p, então pode saber certamente que p. Mas ninguém pode estar certo de algo. Portanto ninguém sabe algo". Este argumento (desenvolvido nesta forma por Unger, 1975) é instrutivo. Ele repete o erro de Descartes de pensar que o estado psicológico de certos sentimentos - que alguém pode ter com respeito à falsidade, tal como o fato de que eu posso sentir como certo que o cavalo Arkle vencerá a corrida na próxima semana, e estar errado - é o que buscamos em epistemologia. Mas ele também exemplifica a tendência nas discussões sobre o conhecimento, tal como tornar a definição de conhecimento tão altamente restritiva que pouco ou nada pode se alistar em suas fileiras. Alguém deveria dar atenção se uma sugerida definição de conhecimento é tal que, como o argumento citado nos conta, ninguém pode saber nada? Exatamente assim como alguém tem crenças bem justificadas que funcionam muito corretamente na prática, alguém pode não estar suficientemente satisfeito em não saber nada? Da minha parte, penso que pode.

Isso sugere que, na medida em que o tema esboçado nos parágrafos precedentes tem interesse, ele está em conexão com a justificação de crenças e não com a definição de conhecimento ali implicado. A justificação é uma questão importante, no mínimo porque nas áreas de aplicação, em epistemologia, onde o interesse realmente sério deveria estar - em questões sobre filosofia da ciência, filosofia da história ou os conceitos de evidência e prova na área do direito - , a justificação é o problema crucial. Aí é onde os epistemólogos deveriam estar trabalhando. Por comparação, os esforços para definir "conhecimento" são tiviais e ocupam muita energia em epistemologia. A propensão ao desacordo no debate gerado pelos contra-exemplos de Gettier - antecipados de modo belo no exame de Russell sobre James (Russell, 1910, p. 95) - avançou sobre um tabuleiro de "ismos", como exemplicado acima, é um sintoma do gasto de energia.

O problema geral com a justificação é que os procedimentos adotados, atravessando toda caminhar da vida epistêmica, parecem altamente permeáveis por dificuldades apontadas pelo ceticismo. O problema da justificação é, portanto, em grande medida, o problema do ceticismo; que é, precisamente, a razão pela qual a discussão do ceticismo é central para a epistemologia.

Ceticismo

Introdução

O estudo e o emprego dos argumentos céticos, em algum sentido, pode ser dito, definem a epistemologia. Um objetivo central da epistemologia é determinar como podemos estar certos de que nossos meios para conhecer (aqui "conhecer" implica obrigatoriamente "crença justificada") são satisfatórios. Um modo preciso de mostrar o que é requerido é observar cuidadosametne os desafios céticos aos nossos esforços epistêmicos, desafios que sugerem que as maneiras pelas quais seguimos estão distorcidas. Se somos capazes de não apenas identificar mas, sim, enfrentar os desafios céticos, um objetivo primário da epistemologia terá sido concretizado.

O ceticismo é frequentemente descrito como a tese de não é - ou, mais fortemente, pode ser - conhecido. Mas essa é uma caracterização ruim, porque se não conhecemos nada, então não podemos saber que não sabemos nada, e assim tal afirmação é trivialmente algo que frustra a si mesma. É mais eficaz caracterizarmos o ceticismo do modo à frente sugerido. Ele é um desafio direto contra reivindicações de conhecimento, e a forma e a natureza do desafio variam segundo o campo da atividade epistêmica em questão. Em geral, o ceticismo toma a forma de uma solicitação pela justificação das afirmações de conhecimento, em conjunto com um enunciado sobre as razões que motivam tal solicitação. Padronizadamente, as razões são de que certas considerações sugerem que a justificação proposta poderia ser insuficiente. Conceber o ceticismo de tal modo é vê-lo como mais problematizante e mais importante filosoficamente do que se ele é descrito como uma tese positiva que afirma nossa ignorância ou incapacidade de conhecimento.

Primeiro Ceticismo

Alguns entre os pensadores da antigüidade - Pyrro de Elis (360-270 AC) e sua escola, e os sucessores de Platão na Academia - expressaram desapontamento pelo fato de que séculos de investigação levada adiante pelos seus antecessores pareciam ter gerado poucos frutos, ou em cosmologia ou em ética (esta última era construída de modo amplo, incluindo, portanto, a política). Tal desapontamento motivou a adoção de perspectivas céticas. Os pirroneanos argumentaram que porque a investigação é árdua e interminável, dever-se-ia abandonar a tentativa de julgar o que é verdadeiro e falso, certo e errado; pois somente assim conseguiríamos paz mental.

Uma forma menos radical de ceticismo assaltou os sucessores de Platão na Academia. Eles concordaram com Pyrro sobre o que, certamente, deveríamos evitar, mas eles temperaram a uma tal perspectiva cética com o aceite de que as demandas da vida prática devem ser enfrentadas. Eles não pensaram como viável a "suspensão de juízos", como Pyrro recomendou, e portanto argumentaram que deveríamos aceitar aquelas proposições ou teorias que fossem mais prováveis (pp. 314-16) que suas concorrentes. As concepções desses pensadores, conhecidas como as dos céticos da Academia, são recordadas na obra de Sexto Empírico (150-225).

No fim do Renascimento - ou, que é a mesma coisa, no início dos tempos modernos - , com as certezas religiosas sob ataque e as novas idéias se ampliando, alguns dos argumentos céticos da Academia e dos pirroneanos adquiriram uma significação especial, notavelmente como um resultado do uso que René Descartes fez deles, mostrando que eram poderosos instrumentos para a investigação da natureza e das fontes do conhecimento. No tempo de Descartes uma mesma pessoa pode ser astrônomo e astrólogo, químico e alquimista, físico ou mágico. Era difícil separar conhecimento e nonsense; era mesmo árduo distinguir aqueles métodos de investigação que poderiam produzir um conhecimento genuíno daqueles outros que podiam somente aprofundar a ignorância. Assim, havia uma necessidade urgente de alguma teorização epistemológica aguda, clara. Em suas Meditações (1986), Descartes concorda em identificar a epistemologia como uma tentativa essencial e preliminar para a física e para a matemática, de modo a tentar estabelecer as bases da certeza como uma propedêutica à ciência. O primeiro passo de Descartes em tal tarefa foi o de adotar e aplicar alguns do argumentos céticos tradicionais (Eu comentarei sobre seu uso do ceticismo mais adiante).

A anatomia do ceticismo

Os argumentos céticos exploram certos fatos contingentes sobre nosso modo de adquirir, testar e lembrar nossas crenças, bem como raciocinar sobre elas. Qualquer problema que infecta a aquisição e emprego de crenças sobre uma dada matéria, e em particular qualquer problema que infecte nossa confiança na manutenção de que aquelas crenças eram justificáveis, ameaça a nossa manutenção de posição sobre o assunto em questão.

Os fatos contingentes em questão relacionam a percepção da natureza, a vulnerabilidade humana normal ao erro, e a existência de estados da mente - por exemplo, sonho e desilusão - que pode ser subjetivamente não distinguível daquelas que normalmente tomamos como apropriadas para adquirir crenças justificadas. Apelando para essas considerações o cético visa mostrar que há questões significantes para serem respondidas sobre os graus de confiança que estamos destinados a colocar em nossas práticas epistêmicas padrões.

As considerações céticas colocam problemas para os epistemólogos de ambos os campos, racionalista e empirista. Essa divisão em duas escolas de pensamento, que disputam sobre o conhecimento, é grosseira mas útil, dado que é uma forma breve de marcar a diferença entre aqueles que mantém que a razão é o meio mestre para o conhecimento, e aqueles que mantém que tal coisa é um papel desempenhado pela experiência. Os racionalistas enfatizam a razão porque em sua perspectiva os objetos do conhecimento são proposições imutavelmente e necessariamente verdadeiras - os exemplos que oferecem são os de proposições da matemática e da lógica - e essas, ele dizem, só podem ser adquiridas pelo raciocínio. Os empirista compreendem que o conhecimento substantivo e genuíno do mundo só pode ser aprendido através da experiência, por meio dos sentidos e suas extensões proporcionadas por instrumentos, tais como telescópios e microscópios. O racionalista não precisa negar que a consciência empírica é um ajudante importante da razão, até mesmo um ajudante indispensável, nem o empirista precisa negar que a razão é um auxiliar importante, indispensável, da experiência; mas ambos insistirão que os meios mestres para o conhecimento são diferentes, um a razão, o outro a experiência.

O refinamento do debate dessas questões merecem exame detalhado, que aqui não é o lugar. Para o presente propósito, devo assinalar o ponto no qual o ceticismo é um problema para ambas as escolas de pensamento. Para ambas, as possibilidades de erro e de ilusão postulam um desafio. Para os empiristas, em particular, erro e ilusão devem ser acrescentados a problemas distintos da percepção.

Erro, ilusão e sonhos

Um característica padrão do argumento cético é tirado de uma conjunto de considerações sobre erro, ilusão e sonho.

Consideremos, primeiro, o argumento do erro. Somos criatura falíveis, nós, algumas vezes, nos enganamos. Se, contudo, sempre somos capazes de afirmar que conhecemos (isto é, ao menos como crentes em algo que justificamos) alguma proposição p, devemos se capazes de excluir a possibilidade de que no momento de afirmar que sabemos p estamos em erro. Mas, uma vez que, tipicamente, ou no mínimo, freqüentemente não estamos conscientes de nossos erros quando os cometemos, e poderiamos portanto inadvertidamente estarmos em erro quando afirmamos saber que p, não estamos justificados quando fazemos essa afirmação.

O mesmo se aplica quando um pessoa é sujeita à ilusão, fantasia ou alucinação. Algumas pessoas experienciam um ou outro desses estados em que não sabem o que estão fazendo, e tomam a si mesmas como tendo passado por experiências verídicas. Claramente, todavia ela pensem que estão no estado em que conduzem a si mesmas ao se justificarem por afirmar que acreditam que p, elas não estão em tal estado. Assim, para que alguém afirmar conhecimento de alguma p, deve ser capaz de excluir a possibilidade de que são sujeitos a tais estados.

Esse padrão de argumentação é mais familiar no argumento do sonho empregado por Descartes. Um modo de expor tal argumento é o seguinte. Quando eu durmo eu algumas vezes sonho, e quando sonho algumas vezes - de fato, freqüentemente - não sei se estou sonhando. Assim, posso ter experiências que parecem experiências verídicas em vigília na base das quais me assumo como justificado ao afirmar que sei tais e tais coisas. Mas porque estou sonhando, de fato não sei tais e tais coisas; meramente sonho que sei. Se não posso excluir a possibilidade de que, agora, neste momento, estou sonhando, sou incapaz de afirmar conhecimento sobre as coisas no momento mesmo em que me assumo como sabendo das coisas. Por exemplo, me parece que estou sentando na minha escrivaninha próximo à janela, vendo as árvores e o gramado. Mas porque eu poderia estar sonhando que isso é assim, não posso afirmar que sei.

Nesses argumentos a possibilidade do erro, ilusão e sonho atuam como o que poderia ser chamado de uma "fracasso" de reivindicações de conhecimento. O padrão é: se alguém sabe p, então nada está atuando para subverter a justificação desse alguém ao afirmar que sabe de p. Mas alguém pode parecer a si mesmo completamente autorizado a afirmar que sabe algum p, e haver falha nessa autorização, como as considerações precedentes mostram. Assim, nossas reivindicações ao conhecimento são carentes de bases melhores do que ordinariamente assumimos que temos. Devemos achar uma modo destruir os objetores.

Percepção

Ambos, racionalistas e empiristas, vêem que as fontes do conhecimento são ameaçadas pelos argumentos esboçados. Argumentos que põe problemas particulares para o empirismo são sugeridos pela natureza e limitação da percepção, a melhor abordagem corrente que nos conta algo sobre isso segue a seguinte história.

Luzes refletem a partir de superfícies dos objetos no meio físico e passam para nossos olhos onde irritam as células das retinas de um tal modo que dispara impulsos nos nervos óticos. Os nervos óticos transportam esses impulso para a região do córtex cerebral que processa dados visuais, onde eles estimulam certos tipos de atividades. Com um resultado, de um modo ainda misterioso para a ciência e para a filosofia, "quadros em movimento" emergem na consciência do sujeito, representando o mundo exterior à sua cabeça. Essa notável transação é repetida mutatis mutandis no sentido de outras modalidades sensórias, como ouvir, sentir cheiro, gosto e tato, fazendo emergir percepções de harmonia e melodia, perfumes e excitação olfativa, suavidade, delicadeza, quente e assim por diante.

Esse modelo pode ser usado para fornecer outras aplicações céticas do fracasso do argumento. O que história complexa causal nos diz é que - assim o cético pode indicar - ela poderia ser interrompida de modos problemáticos em qualquer dos pontos de seu caminho. As experiências que dizemos que resultam da interação de nossos sentidos com o mundo poderia nos ocorrer para outras razões. Elas poderiam ocorrer quando, como notei acima, sonhamos, alucinamos e temos ilusões; ou para ser mais imaginativo, elas poderiam ser produzidas em nós por um deus, ou por um deus, ou por um cientista que teria conectado nossos cérebros a um computador. Do ponto de vista do sujeito que experiencia, poderia não fazer qualquer diferença. Assim, diz o cético, a menos que possamos encontrar um meio de excluir essas possibilidades, não estamos autorizados a reivindicar conhecimento do que, de maneira padrão, assumimos conhecer.

Relatividades perceptuais

As mesmas considerações sobre a percepção pode induzir o desafio cético a rotas diferentes. Uma breve reflexão do tipo da ensinada por Locke, Berkeley (1685-1753) e outros primeiros contribuintes para o debate mostra que algumas dessas propriedades que parecemos perceber nos objetos não "neles mesmos", mas são de fato criaturas das da relação perceptual. A qualidade dos objetos - suas cores, gosto, cheiro, som e textura - variam de acordo com a condição de quem percebe ou das condições sob as quais são percebidos. Os exemplos padrões são em grande número: a grama é verde de dia, preta à noite; a água morna mostra-se quente para uma mão fria, fria para uma mão quente; objetos parecem maior grandes de perto, pequenos de longe, etc.

Essas relatividades perceptuais são citadas pelo cético para levantar as questões de que a percepção é uma fonte de desconfiança sobre as informações a respeito do mundo, exceto se o mundo pode ser dito existir, de algum modo, independentemente da percepção. Pois o que aconteceria se as propriedades pelas quais aqueles meios de detecção da presença de objetos não pudessem ser descritos aparte de serem objetos da percepção? Considere o velho enigma de se um som produzido pela queda de árvores na floresta quando nenhum ser com poder de percepção e sentidos está presente para ouvi-lo. A resposta, em uma padrão da teoria da percepção corrente na ciência contemporânea, é que as árvores caem em silêncio completo. Pois se não há nenhum ouvido para ouvi-las, não há nenhum som; há somente, na melhor das condições - ondas vibrantes - que causariam som como este é percebido por ouvidos se houvesse membranas auditivas funcionando, nervos auditivos e o resto para ser estimulados por eles.

Essas considerações sugerem um quadro cético em que os que percebem estão com algo tal como a seguinte predicação. Imagine um homem usando um capacete protetor que não o deixa ouvir, ver, sentir gosto ou cheiro ou qualquer outra coisa fora dele. Imagine uma câmera, uma microfone e outros sensores fixados no topo do capacete, transmitindo quadros e outras informações para seu interior. E, finalmente, suponha que é impossível para quem está com o capacete removê-lo para comparar as informações com qualquer coisa do lado de fora, assim, ele não pode checar a credibilidade das representações do mundo exterior. De algum modo, quem veste o capacete tem de confiar na característica intrínseca da informação disponível dada pelo capacete, para julgar a credibilidade das informações. Ele sabe que a informação algumas vezes sai de fontes outras que as do mundo exterior, como nos sonhos e ilusões; ele tem deduzido que o equipamento fixado no capacete funciona segundo a entrada de dados e sua alteração, por exemplo, acrescentando cores, sons e odores aos seus quadros que intrinsicamente não tem nenhuma dessas propriedades (no mínimo, em tais formas); ele sabe que suas crenças sobre o que está do lado de fora do capacete repousa sobre inferências que ele tira das informações disponíveis no interior do capacete, e que suas inferências são apenas tão boas quanto falíveis, permitem a capacidade de errar a respeito do que há lá fora. Dado tudo isso, pergunta o cético, não temos nenhum emprego no qual trabalhar de modo a justificar nossas reivindicações de conhecimento?

Ceticismo problemático e metodológico

Antes de considerar esses argumentos e ponderá-los para, de algum modo, responder a eles, é importante notar duas coisas. Uma é que os argumentos céticos não são melhor abordados com uma tentativa de refutação passo-a-passo - isto é, um por um. A Segunda é que há uma distinção vital, importante, a ser tirada de entre os dois modos nos quais o ceticismo pode ser empregado em epistemologia. É importante notar essas questões porque de outro modo a implausibilidade, prima facie, da maioria dos argumentos do cético nos enganará sobre sua importância. Retorno a cada ponto.

A tentativa de refutação dos argumentos do cético é argumentativamente, passo a passo, algo fútil, por duas boas razões. Como sugerido no início, os argumentos céticos são mais fortes não quando buscam provar que somos ignorantes sobre algum questão em pauta mas, sim, quando solicitam que justifiquemos nossas afirmações de conhecimento. Um desafio para que justifiquemos algo não é uma afirmação ou uma teoria, e não pode ser refutado; pode somente ser aceito ou ignorado. Uma vez que o cético oferece razões pelas quais a justificação é requerida, a resposta poderia estar na inspeção dessas razões de modo a vermos se o desafio precisa ser enfrentado. Tal coisa, certamente, é uma boa resposta ao ceticismo. Onde as razões são convincentes, a próxima boa resposta é tentar enfrentar o desafio então posto.

A segunda razão é que os argumentos do cético tomados conjuntamente tem um efeito conexo de mostrar que há trabalho a ser feito se estamos para conseguir uma explicação satisfatória do conhecimento - e o ceticismo indica o que é necessário. Se alguém pudesse refutar, ou mostrar a não fundamentação, de um ou outro argumento cético individual, outros seriam deixados no lugar, ainda demandando uma tal explicação a ser perseguida.

Esses pontos podem ser ilustrados por meio da tentativa de Gilbert Ryle (1900-1976) de refutar o argumento do erro usando um argumento do "conceito polar". Não pode haver moedas falsas, Ryle observou, a menos que existam a genuínas, nem desvios de caminhos a menos que haja os caminhos diretos, nem homens altos sem os baixos. Muitos conceitos caem em tais polaridades, uma característica que é aquela que mostrar que não se pode compreender um polo a menos que se compreenda seu oposto ao mesmo tempo. "Errar" e "acertar" são polaridades conceituais . Se alguém entende o conceito de erro, entende o conceito de "acertar". Mas ao entender este último conceito é ser capaz de aplicá-lo. Assim, toda nossa compreensão do conceito de erro implica em acertarmos algumas vezes.

Ryle obviamente assumiu que o erro cético está afirmando que, por tudo que sabemos, poderíamos sempre estar em erro. De acordo com isso, seu argumento - de que se entendemos o conceito de erro, devemos algumas vezes alcançar as coisas corretamente - visa refutar a inteligibilidade da afirmação de que poderíamos estar sempre errados. Mas, é claro, o erro cético não é isso. O cético está simplesmente perguntando como, dado que algumas vezes erramos, podemos negar a possibilidade de estar em erro em qualquer ocasião de julgamento - diga-se, neste momento presente.

Mas o cético precisa não conceder a Ryle as afirmações mais gerais que este faz, a saber, que para qualquer polaridade conceitual ambos os pólos devem ser entendidos - para além e mesmo mais tendenciosamente - , e entender um conceito é saber como aplicá-lo, e ele ser aplicável é, realmente, ser aplicado (ou ter sido aplicado). Este último movimento é bem uma questão de princípio, mas assim é a própria afirmação sobre as polaridades conceituais. Pois o cético pode, feliz, citar casos de polaridades conceituais - "perfeito-imperfeito", "mortal-imortal", "finito-infinito" - onde de forma alguma fica claro que os mais exóticos pólos aplicam-se a tudo, ou até mesmo que realmente os entendemos. Finalmente, pegar um termo e anexar a ele um prefixo negativo não garante que tenhamos, portanto, compreendido um conceito inteligível.

Esses comentários sugerem que os argumentos céticos, mesmo se singularmente eles parecem não plausíveis, em conjunto eles convidam a uma resposta séria; que é o que, em larga medida, a epistemologia busca oferecer. Mas há, ainda, para ser explicada, a questão da distinção entre ceticismo metodológico e problemático, e aqui uma recapitulação breve do uso que Descartes faz do argumento cético será útil.

O método da dúvida de Decartes

O objetivo de Descartes era o de achar uma base para o conhecimento, o qual ele acharia buscando uma ponto de início a respeito do qual ele poderia estar certo. Encontrar a certeza, ele necessitava rejeitar qualquer coisa que pudesse ser duvidosa, mesmo que fosse ter dúvida sobre algumas coisas fosse um absurdo, pois somente deste modo poderíamos ser deixados com o que é verdadeiramente indubitável. Na primeira Meditação ele embarca nessa tarefa tomando emprestado os argumentos céticos dos antigos. Primeiro ele cita o fato de que podemos ser enganados pela percepção. Mas isso não é um ceticismo completamente suficiente, pois mesmo se percebemos erradamente há ainda muito que podemos saber. Assim, ele, em seguida, considera a possibilidade de que em qualquer ocasião de afirmação de alguém de ela sabe algo, ela poderia estar sonhando. Esse pensamento cético consegue mais coisas para sua rede, mas é ainda insuficiente, pois mesmo no sonho podemos saber tais coisas como, por exemplo, verdades matemáticas. Assim, para alcançar uma consideração a mais ampla possível, Descartes introduz a idéia do "gênio malígno". Aqui a suposição é a de que com respeito a todas as coisas sobre as quais poder-se-ia possivelmente estar errado, com certeza o "gênio maligno" a engana. Notoriamente, o que um tal ser não poderia fazer errar é que cogito ergo sum - quando se pensa "eu existo", esta proposição é verdadeira.

O essencial a se notar no uso de Descartes desses argumentos é que se trata de um uso puramente metodológico. O resto das Meditações é devotado a mostrar que sabemos uma grande porção de coisas, porque o fato (como Descartes, se êxito, tenta provar) é que há um deus bom que garante que, tanto quanto usamos nossas faculdades responsavelmente, qualquer coisa que é percebido com clareza e distinção como verdadeira será certamente verdadeira. Isso porque um deus bom, diferentemente de um mau, não desejaria nossa ignorância. Descartes não foi, de maneira alguma, um cético, nem ele pensava que os argumentos céticos, menos de todos os que alguém empregava como dispositivo para por de lado tantas crenças quanto possíveis, fossem persuasivos. O "método da dúvida" era meramente um instrumento.

Os sucessores de Descartes, contudo, estavam muito mais impressionados com os argumentos céticos que ele empregou do que sua resposta a eles. Pois a tradição do pensamento epistemológico após seu tempo, considerou esses problemas e similares não como mero dispositivos metodológicos, mas como problemas sérios que requeriam uma solução. Daí a distinção que tirei aqui entre ceticismo metodológico e ceticismo problemático.

É claro que há considerações céticas que tem utilidade meramente metodológica, e não são genuinamente problemáticas, porque não representam um desafio persuasivo e estável para nossos padrões epistemológicos ordinários. O "gênio maligno" é um caso desse tipo. Uma vez que a hipótese de que há uma tal coisa é tão arbitrária e sem base quanto uma hipótese pode chegar a ser, ela não tem mérito ao ser tomada seriamente senão como uma estratégia para se provar um ponto de vista. Mas as considerações céticas sobre percepção, erro, ilusão e sonho soam mais interessantes e problemáticas, e consequentemente merecem exame.

Entre a muitas questões dignas de preocupação sobre a discussão de Descartes temos duas, as seguintes. Primeiramente, como sugerido inicialmente, sua busca por certeza é mal concebida em argumentos. Certamente um estado psicológico de alguém pode ocorrer independentemente de se as crenças desse alguém são verdadeiras ou não. A falsidade de uma crença não é nenhuma barreira para que o sentimento de certeza desse alguém seja de outro modo. Descartes perseguiu modos específicos de reconhecer quais das nossas crenças são verdadeiras, mas ele foi falar de certeza porque - e este é o segundo ponto - ele assumiu que a tarefa da epistemologia é prover alguém com uma maneira de conhecimento, a partir de ponto de vista subjetivo próprio deste alguém, quando se possui conhecimento. Consequentemente, ele começa com o dado privado de uma consciência singular e tenta mover-se para fora dela, buscando garantias par os processos em rota. Quase todos os sucessores de Descartes em epistemologia, até Russell, incluindo Russell (1872-1970) e Ayer (1910-1989), aceitaram essa perspectiva a respeito de suas tarefas. Nesse sentido, ao menos, todos foram cartesianos. Falando de modo amplo, é por tais razões, como sugerimos acima, que eles acharam duro de enfrentar o desafio do ceticismo.

Algumas respostas ao ceticismo

O desafio cético diz que sofremos de um comprometimento epistêmico, a saber, que podemos ter a melhor evidência possível para acreditar em algum p, e ainda assim estarmos errados. Enunciado de modo resumido e formal, o ceticismo é a observação de que não há nada contraditório na conjunção de enunciados s incorporando nossas melhores bases para uma dada crença p, por um lado, com a falsidade de p, por outro.

Uma representação informativa do ceticismo assim sumarizada é como segue. Argumentos céticos abrem uma fenda entre, de um lado, as bases que um suposto conhecedor tem para alguma afirmação de conhecimento, e, de outro lado, a afirmação em si mesma. Respostas ao ceticismo geralmente tomam aforma de tentativas ou de colocar uma ponte sobre a fenda ou de diminuir o buraco. O modelo padrão perceptual, no qual as crenças são formadas por interação sensória com o mundo, postula um ponte causal que atravessa a fenda; mas tal ponte é vulnerável à sabotagem cética, aqui a explicação causal, no mínimo, precisa de suporte. Descartes, como notado, identificou a tarefa epistemológica como a necessidade de especificar garantias - chame-se X - que, acrescentada às nossas bases subjetivas para crenças, protege-as conta o ceticismo e assim eleva as crenças à forma de conhecimento. Seu candidato para X era a bondade da divindade; rejeitar esse candidato (enquanto continuou a aceitar sua perspectiva da tarefa epistemológica) cria a obrigação de termos de encontrar um alternativa. Se um X não pode ser achado para sustentar a ponte que liga a fenda cética, a opção é tentar aproximá-la - ou, mais exatamente, mostrar que, de modo algum, há alguma fenda ali. Ambos as buscas por X e por fechar a fenda tem constituído o esforço epistemológico maior contra o ceticismo na filosofia moderna. Algumas desses esforços, de modo breve, são os seguintes.

Os sucessores imediatos de Descartes foram, como mencionados, não persuadidos pela sua tentativa de colocar uma ponte na fenda invocando uma divindade boa para servir como X. Locke, sem muito alarde, empregou uma versão mais fraca do expediente cartesiano dizendo que podemos ignorar as ameaças céticas á explicação causal porque "a luz que é acesa em nós brilha o suficiente para todos os nossos propósitos". A partir do ponto de vista de Locke não há importância se a luz interior é fixada por Deus ou pela natureza; a questão é que há algo - X, a luz interna, que poderia ser, talvez, a razão, a intuição empírica ou a confiança nativa na confiabilidade dos sentidos - que dá bases para que aceitemos nossos meios ordinários de adquiri conhecimento como sendo os meios adequados.

Argumentos transcendentais

Kant (1724-1804) considerou o fracasso na refutação do ceticismo o "escândalo" da filosofia, e ofereceu sua Crítica da Razão Pura (1929) como uma solução. Sua tese é que nossas mentes são de tal modo constituídas que elas impõem uma estrutura de conceitos interpretativos sobre nossa sensações, entre elas aquelas de interconexão causal e de objetividade do que percebemos. A aplicação desses conceitos transforma receptores meramente passíveis de dados em experiência propriamente dita (pp. 590-8). Nossas faculdades são tais que onde o dado cru cai sob a atividade interpretativa de nossos conceitos, eles, os dados, já tem forma espacial e temporal que lhes foi conferida pela natureza de nossas capacidades sensórias; toda nossa experiência, considerada como relacionada ao que é exterior a nós, é experiência de um mundo estruturado espacialmente, e toda nossa experiência, considerada como relacionada a seu caráter receptivo em nossas mentes, é de um mundo temporalmente estruturado. Sobre os dados espaço-temporais assim trazidos, antes, às nossas mentes, impomos nossas categorias, isto é, os conceitos que tornam a experiência possível dando a elas seu caráter determinado. E aqui está o ponto chave de Kant: se o cético pede que justifiquemos nossas afirmações de conhecimento, nós assim fazemos dispondo esses fatos sobre como a experiência é constituída.

Kant disse que Hume (1711-76) o inspirou, porque Hume havia argumentado que embora não pudéssemos refutar o ceticismo - a razão não era capaz disso, afirmou ele - não deveríamos estar em apuros, pois a natureza humana é assim constituída de modo que simplesmente não podemos consertar as crenças que o ceticismo nos desafia a dar justificativas. Essa crenças incluem, por exemplo, que há um mundo externo, que há relações causais mantidas entre eventos no mundo, que o raciocínio indutivo é confiável assim por diante. A partir dessa sugestão, Kant elaborou sua teoria de que os conceitos os quais o cético que justificação são características constituintes de nossa capacidade, de algum modo, de ter qualquer experiência.

A estratégia, se não os detalhes, do ataque de Kant sobre o ceticismo, tem estimulado o interesse da filosofia mais recente. O argumento que ele emprega é um argumento transcendental, brevemente caracterizado como aquele que diz que porque A é uma condição necessária para B, e, porque B é o caso, A deve ser também o caso. Um exemplo de um tal argumento em ação contra o ceticismo é o que segue.

Um desafio cético típico é o concernente a crença na existência de objetos não percebidos, continuamente. O que justifica nossa manutenção de uma tal crença e o desconto que damos a respeito dela? As respostas do argumento transcendental são as seguintes: por causa de que nos assumimos como ocupando um mundo singular e unificado de objetos espaço-temporais, e por causa de que, nessa perspectiva, objetos espaço-temporais tem de existir quando não percebidos a fim de constituir o real como singular e unificado, uma crença contínua na existência de objetos não percebidos é uma condição de nosso pensamento a respeito do mundo e a respeito de nossa experiência dele desse tal modo. Uma vez que, de fato, pensamos desse modo, a crença que o cético pede para justificarmos está, portanto, justificada. Uma pensador contemporâneo que fez notável uso desse estilo de agumento é P. F. Strawson, nascido em 1919.

Idealismo e fenomenalismo

Há, em paralelo a esse modo de Kant responder ao desafio cético, outra abordagem, que nega a existência de um fosso gerando pelo ceticismo. As figuras chefes nesse campo são Berkeley e, mais recentemente, os fenomenalistas, que - permitindo por diferenças entre eles, e lembrando que os dois últimos só mantém tais perspectivas em parte de suas carreiras - incluem Mill (1806-73, Russell e Ayer.

Na perspectiva de Berkeley, o ceticismo emerge do pensamento de que atrás ou na frente de nossas experiências sensórias repousa um mundo material. O mundo "material" significa "feito de mattéria", e "matéria" é um termo filosófico técnico que é suposto denotar uma substância indetectável empiricamente, que os predecessores da filosofia de Berkeley usaram como base para as propriedades das coisas detectáveis sensoriamente, tais como cores, formas e texturas. Berkeley rejeitou o conceito de matéria assim entendido - é comum lê-lo erradamente, tomando-o como alguém que negou a existência de objetos físicos; ele não fez tal coisa - argumentando que por causa dos objetos físicos serem coleções de qualidades sensíveis, e porque qualidades sensíveis são idéias, e porque idéias só podem existir se percebidas, a existência de objetos, portanto, consiste em serem percebidos; se não por mentes finitas tais como as nossas, então em todos os lugares e em todo o tempo por uma mente infinita. (Podemos notar que Berkeley pensava que sua refutação do ceticismo era ao mesmo tempo um novo e poderoso argumento em favor da existência de Deus.)

O costume de Berkeley de dizer que as coisas existem "na mente" levou leitores não críticos a supor que ele queria dizer que objetos existem somente na cabeça de alguém, que é o que o idealista subjetivista ou o solipsista podeiam tentar manter. O idealismo de Berkeley, se é ou não de algum modo defensável, é ao menos uma perspectiva não tão instável. Seu "na mente" deveria ser lido como significando "com referência essencial à experiência ou pensamento".

Para os propósitos aqui presentes, a questão é que Berkeley buscou refutar o ceticismo por meio da negação da existência de um fosso entre experiência e realidade, sobre o fundamento de que experiência e realidade são a mesma coisa. (Ele tinha uma teoria de como, a despeito disso, poderíamos todavia imaginar, sonhar e errar). Os fenomenalistas, mesmo com uma importante diferença, argumentaram de modo parecido, partindo do que aparece para nós na experiência. Quando analisamos os aparecimentos - o "fenômeno - vemo que eles não não construídos separados do dados básicos dos sentidos, seja a menor passagem de cor no campo visual ou o mais baixo som em nosso campo auditivo. Fora dos dados dos sentidos "contruímos logicamente" as cadeiras e mesas, pedras e montanhas, constituindo os acessórios do mundo do dia-a-dia.

Uma alternativa, mas equivalente, de se colocar tal questão, afirmam os fenomenalistas, é dizer que enunciados sobre objetos físicos são meramente convenientes atalhos de enunciados mais longos e mais complicados sobre como as coisas aparecem para nós no emprego usual de nossas capacidades sensórias. E para dizer que objetos continuam existindo mesmo quando não percebidos é dizer - na frase de Mill - que eles são "possibilidades permanentes de sensação", significando que alguém poderia experienciá-los se fossem preenchidas certas condições.

Berkeley mantém que cisa permanecem em existência quanto não percebidas por mentes finitas porque elas são percebidas por uma divindade. Os fenomenalistas agumentam que o que se quer dizer quando se fala que as coisas existem independentemente da percepção delas é que certas condições contra-factuais são verdadeiras, a saber, aqueles que afirmam que as coisas em questão seriam percebidas se algum ente que percebe estivesse adequadamente localizado com respeito a elas. Esses condicionais são notoriamente problemáticos, porque não está claro como entendê-los. O que, em particular, torna todos eles verdadeiros quando eles são (ou bem obviamente que são) verdadeiros? As respostas usuais, nos termos de mundos possíveis, leis e regularidades ideais ou similaridades exóticas, ajudam pouco. Não está claro quanto muito de um progresso é adquirido a partir da ubiqüidade da divindade de Berkeley ao simplesmente a substituirmos por contrafactuais verdadeiros. A perspectiva de Berkeley tem a modesta atração de que tudo no mundo é real - tudo que existe é percebido - em qualquer lugar no universo do fenomenalista a maioria do que existe é assim uma possibilidade antes do que uma realidade, a saber, uma possibilidade de percepção.

Pelos menos uma coisa está clara: que não se alcança o fenomenalismo simplesmente subtraindo a teologia da teoria de Berkeley. Ao fazer isso, então reaparece o fosso metafísico, e então substitui-se uma comprometimento com a existência de simples verdades contra-factuais, com um comprometimento de fica acompanhado com a existência do possível. Tanto a teoria de Berkeley quanto o fenomenalismo, então, demanda ato preço para aproximar o fosso cético.

Espistemologia cética versus anti-cartesianismo

Alguns epistemólogos não tentam refutar o ceticismo pela boa razão de que eles acham que ele é verdadeiro ou irrefutável. A perspectivas desses epistemólogos poderia ser sumarizada como dizendo que o ceticismo é o resultado inevitável da reflexão epistemológica, assim deveríamos aceitar o seguinte: ou estamos destinados mesmos a termos crenças justificadas só imperfeitamente, sempre sujeitas à revisão da experiência, ou temo de reconhecer que o ceticismo, a despeito de ser irrefutável, não é uma opção prática, e portanto temo de viver como a maioria a pessoas vivem, isto é, simplesmente ignorando tais questões.

Alguns comentadores de Hume interpretam seu pensamento como endossando esta última perspectiva, e de acordo com isso falam em "resposta humeana ao ceticismo". Stroud (1984) e Strawson (1985), fazem algo mais ou menos parecido com essa "resposta humeana ao ceticismo".

Outros, em debates recentes, são mais combativa, entre eles está Dewey (1859-1952) e Wittgenstein (1889-1951). A despeito das diferenças fundamentais sobre outros aspectos, esses dois pensadores mantiveram uma interessante perspectiva comum, que é a de que o ceticismo resulta da aceitação do ponto de partida cartesiano do dado privado da consciência individual. Se, em vez disso, dizem eles dois, começarmos com o mundo público - com considerações relacionadas a fatos sobre o caráter essencialmente público do pensamento humano e da linguagem - emergirá daí um quadro diferente.

Dewey argumentou que o modelo cartesiano torna o sujeito epistêmico uma recipiente meramente passivo de experiências, como alguém sentado no escuro do cinema assistindo a fita; mas, apontou ele, nossa visão é de uma perspectiva participante - somos atores no mundo, e nossa aquisião de conhecimento é o resultado de nossos feitos no mundo.

Wittgenstein contestou toda a coerência da abordagem cartesiana argumentando pela impossibilidade da linguagem privada. A linguagem privada, no sentido de Wittgenstein, é aquela que é logicamente disponível única e exclusivamente para um falante, que é o que um sujeito cartesiano precisaria no sentido de começar a discursar sobre sua experiência interior privada. Seu argumento é este: linguagem é uma atividade governada por regras, e só se tem êxito ao falar uma linguagem quando se segue as regras para o uso de suas expressões. Mas um solitário usuário da linguagem seria alguém incapaz de contar a diferença entre realmente seguir as regras e meramente acreditar que assim está fazendo; assim, a linguagem que ele fala não pode ser logicamente privada para ele próprio; ele deve ser compartilhada com outros. Certamente, Wittgenstein argumento que a linguagem só pode ser adquirida em uma situação pública (ele liga o aprendizado da linguagem ao treinamento de animais; aprender uma linguagem é imitar comportamentos lingüísticos de quem está ensinando), que similarmente pesa contra a idéia de que o projeto cartesiano é, até mesmo em princípio, possível.

As possibilidades contra os céticos do argumento da linguagem privada parecem não ter sido vislumbrada em seu todo pelo próprio Wittgenstein. Em notas de esboço sobre o ceticismo e o conhecimento, escritas nos últimos meses de sua vida - depois publicadas sob o título Da Certeza (1969) - ele oferece uma resposta ao ceticismo, que marca um retorno a uma abordagem mais tradicional, não diferente da oferecida por Hume e Kant. Há algumas coisas que temos de aceitar no sentido de administrar nosso modo comum de pensar e falar. Tais proposições como a de que há um mundo externo, ou que o mundo veio a existir há muito tempo, não estão, simplesmente, abertas à dúvida; não é uma opção para nós questioná-las. Nem, portanto, diz Witgenstein, podemos dizer que sabemos delas, porque conhecimento e dúvida são intimamente relacionados, e só pode haver conhecimento onde pode haver dúvida e vice versa.

As proposições que não podemos duvidas constituem os "andaimes" de nosso pensamento ordinário e de nossa conversação diária, ou - Wittgenstein varia suas metáforas - eles são como o leito e os bancos de um rio, abaixo dos quais a correnteza do discurso normal segue seu fluxo. Nesse sentido as crenças que o ceticismo tenta desafiar não estão abertas à negociação; que, diz Wittgenstein, dispõe o ceticismo.

Esses pensamentos são tão sugestivos quanto eles estão na filosofia de Hume e Kant; mas um dos problemas com o modo de Wittgenstein de colocá-los é que ele usa conceitos fundacionistas na descrição da relação de proposições "gramaticais" em alguns casos, mas repudia o fundacionismo como tal, e parece permitir uma versão de relativismo assim fazendo - o leito do rio e os bancos, diz ele, poderiam, no momento necessário, serem ser deteriorados. Mas o relativismo é apenas o ceticismo disfarçado - ele é, de fato, argumentativamente, o mais poderoso e a forma mais problemática de ceticismo, pois ele é a perspectiva de que conhecimento e verdade são relativos a um ponto de vista, um tempo, um lugar, uma meio ambiente cognitivo ou cultural: e conhecimento e verdade, assim entendidos, não são conhecimento e verdade.

Observações finais

Há muito gostar-se-ia insistir sobre uma tentativa correta para descrever o trabalho que necessita ser feito em epistemologia, para isso é necessário preliminarmente fazer o progresso que podem. Aqui, eu simplesmente sublinharei uma casal de observações já feitas acima.

Primeiramente, debates sobre a definição de "conhecimento" me parecem ser um lado a ser mostrado. A justificação de afirmações nas ciências naturais, nas ciências sociais (não, no mínimo, na história) e direito é onde o trabalho real a ser feito em epistemologia fala mais alto. E sua explicação aplica-se somente ao caso empírico: o que das questões epistemológicas que apertam em ética e em filosofia da matemática? Pode não haver nenhuma garantia - e certamente é não razoável - que altar generalizações sobre justificação e conhecimento se aplicarão inequivocamente a todos esses campos. "Justificação" é um conceito mudo que necessita ser resgatado fora, nos termos particulares para campos particulares; muito seria óbvio a partir do fato de que explicações gerais de justificação não restritivamente mostram-se não ajudáveis à vulnerabilidade de contra-exemplos.

Em segundo lugar, pouco da literatura corrente sobre o ceticismo torna alguém confiante de que sua natureza é propriamente entendida. O ceticismo define um problema central em epistemologia, a saber, a necessidade de mostrar como é possível justificação de crenças. Isso é feito ao nos defrontarmos com o desafio de mostrar que considerações céticas não produzem, após tudo, um fracasso de nossos melhores esforços neste ou naquele específico campo. Implícito nessa caracterização estão duas importantes afirmações: primeiramente, que o ceticismo é melhor entendido como um desafio, não como uma afirmação de que não sabemos nada ou que não podemos saber nada; e, secundariamente, que o melhor modo de responder ao ceticismo não é tentando refutá-lo na base de argumento por argumento, mas monstrando como fazemos as justificações para o que acreditamos. De algum modo, esse dois pontos, que foram óbvios aos nossos predecessores, parecem terem sido uma visão que se perdeu.

Tradução de Paulo Ghiraldelli Jr.

O texto foi traduzido de Grayling, A C. Epistemology. Bunnin and others (editors); The Blackwell Companhion to Philosophy. Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers Ltd, 1996.

As notas, as referências, leituras recomendadas e questões estão na obra original (NT).


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REFERÊNCIA:
http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/grayling.htm
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PESQUISADO E POSTADO, PELO PROF. FÁBIO MOTTA (ÁRBITRO DE XADREZ).